domingo, 16 de novembro de 2008

Resistirá o Socialismo ao Séc. XXI




O Nazismo e o Comunismo como paradigmas do Socialismo


O facto de um número considerável de países europeus ter colocado fora de combate, por via eleitoral, o que neles restava das estruturas socialistas, levanta a questão de saber até que ponto esse afastamento compulsivo, por mandato popular, dessas forças políticas, é ou não definitivo.
Porque não é possível esquecer e desprezar, até pelas suas consequências, o que foram e representaram os socialismos, fossem eles vermelhos, castanho ou preto, na História das Nações europeias ao longo do século XX. Nem as suas concepções do mundo e do homem. Nem a sua capacidade de assimilar à força pessoas, famílias e grupos sociais em estruturas de totalidade, isto é, em estruturas estatais, como convém a partir do momento em que se identifica o Estado com o Absoluto.
Chegados que somos a este pressuposto do Estado totalitário, essencial em qualquer regime socialista, democrático ou não, cabe agora caracterizar os outros pressupostos daqueles que foram os dois regimes socialistas mais dignos desse nome no século XX: o nacional-socialismo e o socialismo marxista – ou “científico” – como alguns lhe chamaram. O fascismo italiano (histórico), ainda que teoricamente totalitário e estatólatra, não foi, na prática, um regime socialista com a mesma graduação e da mesma natureza do alemão e do soviético. Quanto aos socialismos ditos democráticos, procuram os mesmos fins com “luvas de seda”.

Estado socialista, Estado totalitário

Basta conhecer a diferença entre um adjectivo e um substantivo para perceber que “nacional” é adjectivo e “socialismo” é substantivo. Pelo que o nacional-socialismo (NS) é tão socialismo como o marxista e isso foi que lhe conferiu a categoria de regime totalitário. Identificar o NS – que foi um fenómeno exclusivamente alemão e inconcebível noutra Nação – com o nacionalismo, é pura ignorância do que é uma coisa e outra. É tão crasso como dizer que Portugal é Espanha.

O socialismo, ao identificar o Estado com o Absoluto, não permite que nada fique de fora de si próprio, nem configurado de forma diferente daquela que é concebida. Tudo está subordinado ao Estado, que é a origem e o fim de tudo: a nação, a Pátria, os corpos sociais, a família, a pessoa (frequentemente considerada uma abstracção); enfim, toda a actividade humana: a liberdade, a arte, a economia, a vida social, o trabalho, a ciência, a vida espiritual e religiosa. O estado é o único deus. O socialismo a religião.

Ao deificar o Estado torna-se supérflua toda a religião. Por isso, o marxismo a considerou como o “ópio do povo”, perseguindo com dureza, em particular, o Cristianismo, de forma a restar só as estruturas que aceitassem permanecer sob o controlo do estado soviético e as pessoas que lhe merecessem confiança.

A incompatibilidade entre o NS e o Cristianismo só pode parecer estranha para quem não conhece bem a natureza de um e do outro. Se persistirem dúvidas basta só atentar nas seguintes citações:

«O NS não aceita sem reservas o Cristianismo, quer ele seja uma fé ou uma Igreja organizada, quer ele se manifeste no domínio político ou no domínio religioso. Aceita-o apenas na medida em que ele respeita os limites que lhe são inerentes e em que não invade o domínio do poder político…Que vem a ser o político? Político é tudo o que respeita às formas de organização da sociedade humana: a Palavra, a Imagem, a Escrita e o Gesto, numa palavra, tudo aquilo que possa ter quaisquer laços com a comunidade da Nação. Que é a religião? Religião é tudo o que sai do quadro terrestre, a crença no divino, o sentimento do infinito, a nostalgia das coisas que se situam para além do mundo visível aos homens. Segundo tal concepção, toda a materialização da fé – uma peregrinação ou uma procissão, um sermão ou um ensinamento religioso, a instituição da Igreja como tal – confundir-se com uma manifestação política.»[1]
«Nós, os NS, exigimos que a vida pública seja libertada de quaisquer intromissões religiosas. Que sentido faz que existam ainda associações de funcionários cristãos? Nós não queremos funcionários católicos nem funcionários protestantes, queremos funcionários alemães. Para que serve uma imprensa quotidiana católica? Não temos necessidade de quotidianos católicos ou protestantes, mas apenas quotidianos alemães. Nada no nosso regime justifica a existência de associações profissionais católicas, de círculos ou de movimentos das juventudes católicas. Isso está ultrapassado. As actividades destas organizações estendem-se frequentemente por domínios que são da exclusiva alçada do Estado NS. Estas coisas só podem contribuir para abalar a unidade do Povo Alemão. Mas nós não deixaremos abalar esta unidade, que Adolf Hitler criou depois de uma luta de quinze anos, deixando conquistar a alma alemã seja por quem for.»[2]

Em Mein Kampf, Hitler tinha acentuado a neutralidade do seu movimento em matéria de religião. Por um lado, tinha chamado a atenção do Povo Alemão contra uma cisão confessional que só poderia aproveitar à “Judearia Internacional”, e por outro lado considerava o Catolicismo e o Protestantismo como garantias da continuidade do Povo Alemão. Hitler punha de lado os partidos que eram portadores de uma etiqueta religiosa. É evidente que, com isso, visava principalmente o grande partido católico do “Centro”. Insistia na mais estrita separação entre a Igreja e o Estado. A Igreja devia ocupar-se apenas dos problemas espirituais, e em caso algum devia intervir nos negócios temporais, domínio exclusivo do Estado. Já antes de 1933 o programa do NSDAP incluía a liberdade de todas as crenças, mas com uma restrição muito significativa:

«Na medida em que ela (esta liberdade) não ameace a existência do Estado e não entre em contradição com a moral da raça germânica».

A noção de raça estava já a opor-se à de religião.

O NSDAP continuava:

«O Partido como tal é o representante do Cristianismo positivo.»[3]

Tratava-se de uma fórmula muito ambígua, que deixa a porta aberta a todas as interpretações. Depois da tomada do poder, Hitler, por razões tácticas, fáceis de compreender, afirma-se profundamente cristão. Considera o catolicismo e o protestantismo como os dois factores mais importantes para a estruturação do carácter nacional e os fundamentos inabaláveis da vida normal e dos costumes do Povo Alemão. Porém, nas suas conversas privadas a linguagem usada não tinha nada a ver com as declarações oficiais, como aconteceu numa entrevista concedida a Rauschning: era de capital importância saber:

«Se o Povo Alemão ia persistir na religião judaico-cristã, com a sua moral emoliente baseada na piedade, ou se ia adoptar uma fé heróica e forte, uma vez que os únicos deuses são a Natureza, o Povo, o Destino e o Sangue.» E continuava:

«Uma Igreja alemã, um Cristianismo Alemão é uma aldrabice. Ou se é cristão ou se é alemão. Não se pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.»[4]

Fingia-se apenas que se reagia contra a intromissão da Igreja no domínio político, e a Igreja tinha de arcar com a responsabilidade de atravessar uma fronteira que na realidade não existia, ou que era traçada de maneira arbitrária. Sob um regime que se dizia sem restrições do “homem total”, onde começava o domínio político e terminava o domínio religioso?

O NS e o socialismo soviético tiveram efectivamente essa raiz comum – a ideologia socialista –, com a correspondente concepção totalitária do Estado. Hitler e Estaline tiveram até, em determinados momentos da História, entendimentos comuns – o célebre tratado germano-soviético de 22 de Agosto de 1939, que dividiu a polónia pelos dois blocos socialistas de então. Bem entendidos estavam eles também quanto ao tratamento a dar a quem não se enquadrasse dentro da dinâmica do Estado, ou se lhes pudesse fazer sombra: a eliminação física sistemática. Basta lembrar o que aconteceu na Alemanha de 30 de Junho para 1 de Julho de 1934 – na noite das “facas longas”. As SS eliminaram à bala centenas de dirigentes das SA, com Ernst Röhm à cabeça, Chefe de Estado-Maior desta organização ligada ao NSDAP, desde 1931, que, assim, acabou por perder o seu protagonismo no seio do regime. Estaline pôde fazer isso mais vezes, com mais pessoas, com mais calma e com mais discrição. Esteve mais tempo no poder soviético que Hitler no poder alemão.

Mas entre o socialismo soviético e o NS não existiram só semelhanças. Existiram também diferenças. A começar pelos mestres inspiradores mais próximos. O socialismo soviético foi inspirado nas ideias de Marx e Lenine, baseadas originalmente em pressupostos económicos[5], enquanto o NS foi fortemente inspirado por Nietzsche e pela sua apologia da superioridade rácica.

Embora o NS estivesse destinado a conduzir a Alemanha para uma sociedade sem classes, não o pretendia fazer segundo os moldes de enfrentamento próprios do materialismo histórico e dialéctico, isto é, baseado na famosa luta de classes entre proletariado – os oprimidos – e capitalistas – os opressores –, motor da História e meio infalível para se chegar a um novo e definitivo patamar da existência humana: a ditadura do proletariado. Este foi o grande desígnio e utopia da revolução bolchevique. Mas a revolução NS não passaria por aí. Hitler não dispensou os capitalistas alemães de contribuírem para a prosperidade da Alemanha, necessária para sustentar um esforço de guerra que já em 1936 antevia:

«A nossa situação política apresenta-se deste modo: a Europa só conta actualmente dois Estados que se possam considerar sólidos em face do bolchevismo: a Alemanha e a Itália. (…) Além da Alemanha e da Itália, só o Japão poderia ser considerado como uma potência sólida em face do perigo mundial. Este memorando não se destina a predizer o momento em que a situação insustentável da Europa se transformará numa crise aberta. Aqui desejaria apenas afirmar a minha convicção de que esta crise não pode deixar de se produzir e se produzirá. (…) Eu fixo, portanto, os seguintes empreendimentos: 1) O exército alemão deve estar pronto a entrar em combate dentro de quatro anos; 2) Dentro de quatro anos a economia alemã deve ser capaz de suportar uma guerra.»[6]

O homem nacional-socialista

O movimento NS, liderado por Adolf Hitler, não pretendia apenas a tomada do poder na Alemanha. Tinha uma concepção muito própria do mundo e do homem, baseada nas ideias de Nietzsche, que o Führer tentaria pôr em prática. Visava, após a tomada do poder em Berlim, a criação de um homem que tivesse como símbolo o Übermensch, anunciado por Zaratustra[7]. Depois da “morte de Deus” – Gott ist tot – é necessário encontrar um novo sentido para o mundo e para a vida, para a cultura e para a História. Esse sentido é o “super-homem”. Individuo ou espécie, o Übermensch encarna a vontade de domínio, o impulso original de todo o ser, a besta fulva e o grande aristocrata que vivem e se realizam “além do bem e do mal”, do justo e do injusto, de todas as dicotomias surgidas no mundo a partir do velho profeta Zoroastro e continuadas através de Sócrates e seus descendentes morais e, sobretudo, através de quase dois milénios de Cristianismo. O super-homem virá dizer “sim” à Terra e a tudo quanto a Terra representa de absoluto e de fim em si mesma, virá operar uma radical transmutação de todos os valores. O Übermensch, verdadeiro modelo da raça superior, é pura vontade de poder, instinto de sobrevivência, a mais admirável força da Natureza, ao qual está reservado um destino heróico.

Enquanto o socialismo soviético apostava nas massas proletárias oprimidas pelo jugo capitalista e estatizava todos os meios de produção e de riqueza, impondo o Partido Comunista como “alma” do Estado soviético, a revolução NS apresentava a sua própria concepção do mundo – weltanschauung. O homem NS não tinha vocação de oprimido, mas de herói – à imagem do Führer, sobre quem recai a responsabilidade total. O Estado identifica-se com o Absoluto, o NSDAP e as suas organizações e associações – como as SS – são a “alma” do Estado, e o Führer a sua personificação, em quem se confia e obedece cegamente.

O homem NS considera-se superior em virtude da raça e da sua moral decorrente, como bem demonstram as palavras do Reichsführer SS Heinrich Himmler:

«…Há 11 anos, desde que eu sou Reichsführer SS, o último objectivo continua para mim invariável: criar uma Ordem do Sangue Puro capaz de servir a Alemanha, uma Ordem capaz de se dedicar sem hesitação nem reservas e de suprir, graças à sua vitalidade – pois os seus membros são sempre substituídos – às perdas mais duras, uma Ordem que difunda tão ao largo esta noção de sangue nórdico, que possamos atrair a nós o sangue nórdico do mundo inteiro, que o possamos retirar aos nossos adversários para o juntarmos ao nosso, e que assim nunca mais uma gota de sangue nórdico, de sangue germânico, possa lutar contra nós. Nós devemos possuir este Sangue Puro; os outros não devem ter nenhum. (…) Regra absoluta para os SS: não devemos honestidade, benevolência, fidelidade e reconforto senão aos membros do nosso próprio sangue, e ninguém mais. A sorte dos Russos ou dos Checos é-nos completamente indiferente. Nós apropriarnos-emos do que estes povos possam ter de sangue bom, roubando, se necessário for, os seus filhos para os educar entre nós. Só na medida em que a nossa civilização tem necessidade de escravos, é que nos importa saber se os outros povos vivem na opulência ou morrem de fome – a não ser por isso, não têm para nós qualquer interesse. Que 10.000 mulheres russas desfaleçam esgotadas na construção de uma vala anticarro não nos interessa a não ser na medida em que esse trabalho pode ser realizado para o bem da Alemanha. Que fique bem claro que não seremos nem brutais nem desumanos a não ser quando isso for necessário. Nós, os Alemães, o único povo do mundo a ter uma atitude correcta para com os animais, também adoptaremos uma atitude correcta para com os animais humanos. É contudo um crime para com o nosso próprio sangue preocuparmo-nos por eles e consagrarmos-lhes ideais, para que os nossos filhos e os nossos netos tenham mais dificuldades com eles. Se tu vens dizer-me: “Eu não posso construir esta vala anticarro com mulheres e crianças; é desumano, porque morrem como moscas”, então eu dir-te-ei: “Assassino do teu próprio sangue! Se a vala não for aberta, morrerão soldados alemães, filhos de mulheres alemãs, gente do nosso sangue”. É isto que eu queria incutir – e creio tê-lo conseguido – aos SS. Isto é uma das nossas leis mais sagradas: a nossa preocupação, o nosso dever, deve referir-se ao nosso povo e ao nosso sangue. É neles que devemos pensar, é sobre eles que devemos velar, é por eles que teremos de trabalhar e de combater – por mais ninguém. Tudo o resto nos é indiferente…»[8]

Assim se justifica a eliminação física de quem quer que seja que não tenha sangue germânico – untermenschen –, pelo facto da Alemanha reclamar esse sacrifício ou, simplesmente, pela hipótese meramente académica de algum dia vir a causar dificuldades ao estado NS. Ideias que talvez não resistam a duas perguntas: imbecil, em que é que o teu sangue vale mais que o dos outros? Porque é que a tua raça é superior às outras? Explica-me.

A perseguição e tentativa de extermínio dos judeus, povo especialmente visado por essa “raça de senhores”, mas não exclusivamente, encontra fortes apelos nas ideias de Nietzsche, como demonstram algumas citações das suas obras. Em o “Anticristo”, Nietzsche considera que o Cristianismo não é uma reacção contra o instinto judaico, antes é “um avanço na sua lógica terrível”[9]. Nessa mesma obra, considera a propósito dos judeus: “o povo mais singular da história”, “antítese dos seus valores naturais”, “o povo mais funesto da história universal”, que visa “tornar a humanidade doente e perverter as noções do bem e do mal, de verdadeiro e de falso num sentido mortal para a vida e infamante para o mundo”[10]

Em “Para Além do Bem e do Mal” afirma não ter encontrado “um só alemão que goste dos judeus”. Aqui contesta o princípio oriundo do Cristianismo da igualdade dos homens perante Deus, por conduzir ao domínio dos fortes pelos fracos e, por conseguinte, à mediocridade e proclama a existência de diferentes tipos de homem. Daqui surge o modelo do “super-homem” e a “vontade de poder”. É em homens “fortes e independentes, preparados e predestinados para o comando” que “encarna a razão e a arte de uma raça dominante”[11]. A compaixão contraria a lei da evolução, identificada com selecção, exerce uma acção depressiva e conduz ao nada: “quando alguém se compadece, enfraquece-se”[12]

Por isso Himmler pôde continuar com o seu discurso, agora, em particular, visando os judeus:

«Agora falarei da extirpação e do extermínio do Povo Judeu. Isso fazia parte das missões fáceis de ordenar: “O Povo Judeu será exterminado, disseram os membros do Partido, isso faz parte do nosso programa. Nós liquidaremos os judeus, nós exterminá-los-emos.” E afinal, o que vimos? 80 milhões de óptimos alemães, e cada um deu guarida a seu bom judeu: “Sem dúvida, os outros são uns porcos, mas este é um Judeu bom”. Nenhum dos que assim falam viu a viveu aquilo que nós vimos e vivemos. A maior parte de vós sabe o que é um monte de 100, 500 ou mesmo 1.000 cadáveres. Temos suportado tudo isso e – abstraindo de delírios imputáveis à fraqueza humana – termos ficado normais, endureceu-nos. É uma página gloriosa da nossa história, página que nunca tinha sido escrita e que nunca mais voltará a sê-lo…»[13]

As estimativas sobre o quantitativo de judeus exterminados apontam para os seguintes valores: a Comissão Alemã refere entre um mínimo de 4. 200.000 e um máximo de 4.600.000, enquanto a Comissão Anglo-Saxónica aponta para 5.700.000.[14]

Mas é sabido como o NS acabou em 1945. Em Abril desse ano, o homem que tudo dirigiu na Alemanha desde 1933, dizia:

«O nacional-socialismo morreu. Talvez dentro de cem anos surja uma ideia semelhante, com a força de uma religião. Mas a Alemanha está perdida. Não foi suficientemente forte para a missão que lhe destinei.» Por isso, cerca de um mês depois o Führer suicidou-se, fazendo jus à fama de heroísmo que todos reconheciam nele. Os mil anos de revolução levada a cabo na Alemanha, afinal foram só doze.

Para a posteridade, para a modernidade

Caídos os regimes socialistas, respectivamente em 1945 e 1989, a sua influência não deixou, por isso, de se fazer sentir nas chamadas democracias, que lhes assimilaram algumas sementes.

Os postulados e princípios sobre a propaganda que o Dr. Goebbels fixou para a utilização dos meios de comunicação de massas de então – a rádio e o cinema – continuam intactos a pontificar nos nossos dias, agora também estendidos à televisão.

Se bem que já tivessem havido precedentes nos Estados Unidos da América do Norte e Suécia dos anos 20 e 30, os planos eugénicos fixados pelo regime NS numa célebre reunião em Berlim – Tiergartenstrasse, 4 – em 1939, vão-se cumprindo fielmente a pouco e pouco. A apologia do aborto, da eutanásia e das manipulações genéticas com fins eugénicos aí estão por todo o lado a fazer sensação. A justificação não será a do apuramento de uma raça, mas não deixa de ser a da eugenia, misturada com motivações de rentabilidade económica e razões de carácter utilitário – quando dá jeito. O que acaba por fazer vir ao de cima o apelo à exterminação de raças inferiores como os não desejados, os doentes incuráveis e terminais, os deficientes e os económica e fisicamente mais fracos.

São legados de visões socialistas do mundo e do homem que as democracias fizeram o favor de transportar para o século XXI. O que corresponde, no fundo, a essa tentação de poder que se insinua no íntimo de cada homem, quer se julgue personificar o Estado ou não: o domínio absoluto da própria vida e da vida dos outros.

Uma questão, à primeira vista, intrigante é a de saber porque é que a “sociedade da informação” condena frequentemente o NS enquanto esquece que o socialismo soviético existiu, maltratou e exterminou mais pessoas que o NS. Isto vê-se de forma inquestionável no cinema e no facto de, até hoje, não ter havido um único cineasta que se interessasse pela “gesta” de Estaline, que é bem grande. O que fará calar essa gente? O que é que torna o NS mais odioso que o socialismo soviético?

Talvez se possam encontrar duas explicações: primeiro, uma questão de propaganda, de conveniência e de silêncio, que é também uma grande propaganda. Andam para aí ainda muitos senhores e senhoras que foram (e ainda serão?) grandes apologistas do regime soviético, com todas as más consequências que teve. Mas ninguém lhes aponta o dedo pelo facto de terem defendido apaixonadamente um regime verdadeiramente criminoso. Postos a apontar regimes totalitários e criminosos, temos que os apontar todos e não só alguns.

Outra ordem de razões prende-se com o facto do regime soviético ter dirigido a sua sanha contra classes, o que não personaliza tanto a carga de ódio e desprezo contra indivíduos, como o NS, supostamente pertencentes a raças inferiores.

O Estado hobbesiano

O modelo de Estado mais frequente nos actuais regimes demo-liberais e capitalistas do Ocidente apresenta claras influências conceptuais de Thomas Hobbes, designadamente, expostas em “Leviathan”.

As crescentes dificuldades manifestadas pelo homem ocidental para ser senhor de si próprio, isto é, ser capaz de se governar a si próprio, – o que não é o mesmo que ser individualista – como consequência da crescente valorização do bem estar material e do conforto, das dependências várias, do consumismo e, paradoxalmente, do egoísmo, acabam por lhe enfraquecer o carácter e justificar que se encontre no Estado, “enquanto expressão do Contrato Social que envolve a alienação para um soberano do direito de cada homem se governar a si próprio”[15], “a solução para a paz e o bem-comum de uma colectividade que, vivendo no seu “estado de natureza” se destruiria. O Estado é, deste modo, a única salvaguarda do indivíduo”[16].

Um Estado destes, aquilo que poderíamos chamar de socialismo democrático ou de social-democracia, é um digno sucessor do Estado marxista. Perfeitamente entendido com o capitalismo, mesmo selvagem, quanto à economia e finanças, não abdica da sua missão – teórica – de educador e curandeiro. Num país como Portugal, com forte tradição de estatização do ensino e da saúde, o Estado ainda usa a escola e o centro de saúde e o hospital para a doutrinação ideológica, sobretudo partindo do princípio que o ensino e a saúde têm que ser grátis para todos. Mesmo que não funcionem.
Para compensar a gratuitidade do ensino, os nossos filhos têm de ouvir e desbobinar os lugares-comuns dos juízos e das interpretações marxistas e freudiana da História e têm que presenciar nas aulas a apologia do homossexualismo como opção possível a fazer dentro de momentos. Para compensar a gratuitidade de saúde temos de ouvir a apologia do controlo da natalidade, – num país cada vez mais envelhecido e decrépito – e de suportar a sugestão favorável ao aborto ou à esterilização. E é se quiserem. Quem não quiser que recorra ao privado.

É a presunção e a fraqueza individual e o sufrágio – que nunca é universal, porque muitos não votam – que legitima o totalitarismo sibilino deste Estado. Mediante a eleição de representantes, frequentemente desconhecidos, passa-se a ideia de que é o povo que governa, enquanto o normal curso dos assuntos do Estado deixa muitas vezes dúvidas sobre quem realmente manda (o mercado, os lobbies, os políticos, os titulares dos órgãos de soberania?), ganhando o regime contornos de uma dietrologia.

Podemos perguntar se esta actuação do Estado hobbesiano – aquele que temos hoje – defende o interesse geral, ou seja, o da comunidade nacional. O que não é óbvio. Mas é isto que torna o Estado demo-liberal um caso interessante (patológico) de estudo, na medida em que transforma rapidamente, transferindo as responsabilidades para o mercado – que é politicamente neutro –, alguns interesses particulares em interesse geral. Os administradores da MacDonald’s ou da Coca-Cola estão convencidíssimos que os seus produtos são imprescindíveis para os portugueses e se inscrevem dentro do interesse geral do país. Mais, estão convencidos que os portugueses estão convencidos disso.

Manuel Brás


(1) Excerto de um artigo da revista Will und Macht, edição de 15 de Abril de 1935, sob o título Cristianismo Positivo.
(2) Excerto de um discurso do Ministro do Interior, Wilhelm Frick (1935).
(3)Wilhelm Corsten, Kölner Aktenstücke zur Lage der Katolischen Kirche in Deutschland 1933-45, Köln (1949), p. 63.
(4) Rauschning, Conversações com Hitler.
(5) Karl Marx, Das Kapital.
(6) Extracto do memorando secreto de Hitler sobre o plano quadrienal (1936).
(7) Also spracht Zaratustra (Assim falava Zaratustra), F.W. Nietzsche, 1883-85.
(8) Excerto de um discurso do Reichsführer SS Heinrich Himmler (1933).
(9) O Anticristo, F.W. Nietzsche, 1894.
(10) Idem.

(11) Para além do Bem e do Mal, F.W. Nietzsche, 1886.
(12) Idem.
(13) Excerto de um discurso do Reichsführer SS Heinrich Himmler (1935).
(14) Walter Hofer, Der Nationalsozialismus – Dokumente 1933-1945, Fischer Bücherei KG, Franckfut Main.
(15) Otero, P., A Democracia Totalitária, pp. 54, Principia. (citando Hobbes, T., Leviathan, Fondo de Cultura Económica, México, 1992, (parte II, cap. 17º), pp. 140-141.
(16) Otero, P., A Democracia Totalitária, pp. 55, Principia (citando Prélot, M. e Lescuyer, G, Histoire des Idées Politiques, 12º ed., Paris, 1994, p. 25

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