quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Medina Carreira Arrasa

Medina Carreira, ex ministro do PS arrasa as politicas socialistas do Governo de José Sócrates.

Contra Nós

Contra nós, o cepticismo, a descrença, combatem.
Contra nós combatem os ricos, as chufas, as ridicularizações que certos adversários calejados e deformados nos endereçam, eles, os comodistas ou intelectualizados.
Contra nós o interesseirismo, o arranjismo, os ambiciosos, os desonestos, os traficantes, combatem.
Contra nós os traidores combatem.
Contra nós, os “prudentes” e os cobardes combatem.
Contra nós, os plutocratas, a alta finança, a banca internacional, a fraude, as riquezas excessivas, combatem.
Contra nós, os que estão instalados em posições chorudas e que pensam apenas: “Depois de mim, o dilúvio!”, combatem.
Contra nós a baixeza e a mesquinhez combatem.
Contra nós, a moda, a facilidade, a superficialidade, a “actualização das consciências”, combatem.
Contra nós a sensibilidade pervertida combate.
Contra nós a inteligência deformada combate.
Contra nós os trusts de vário género combatem.
Contra nós, os progressismos, os liberalismos, os democratismos, combatem.
Contra nós, a rotina, o enquistamento, a vaidade, o formalismo, a burocracia, combatem.
Contra nós, o humanitarismo piegas, o materialismo sem escrúpulos, certo pacifismo estúpido, certo militarismo degenerado, combatem.
Contra nós, os fidalgotes apodrecidos, os pobres invejosos, os ricos soberbos, os que acham tudo bem, os barriguistas, os negativistas, os snobs, os poseurs, os imbecis, os espertalhões, os estetizados, os burgueses, combatem.

Pedro Atlântico

O nosso MANIFESTO

Perante a tremenda e a desgraçada decadência da Pátria Portuguesa, cujo Povo, para além de tudo o mais, também sofre – e no seu próprio solo pátrio – a amarga humilhação de se encontrar numa espécie de novo cativeiro da Babilónia e criminosamente forçado à adoração de falsos ídolos, em que o Bezerro d’Ouro tem destacado altar-mor e em que os seus novos sumo-sacerdotes são os chamados “tecnocratas europeístas”; a falsos profetas e a monstruosas mentiras e magias de todos aqueles que o miseravelmente enganam, urge que os Portugueses saibam desencadear os mecanismos políticos necessários, sem apelos a “messianismos” ou falsos “vanguardismos” e “extremismos”, para uma Ideia Política condutora que fale de novo, sem vergonhas e imbecis complexos, da Pátria que realmente fomos, somos e queremos continuar a ser, das nossas raízes históricas, do nosso querer, do nosso destino como comunidade nacional, sem olvidar de falarmos igualmente do pão, do trabalho honrado e honesto, da justiça social, da fidelidade, do sacrifício, do valor da família como célula fundamental da sociedade, da tradição e da modernidade europeia, da reforma moral do país, como solução sine qua non, para um autêntico Ressurgimento Nacional, dos sonhos, e das esperanças de Portugal e dos Portugueses, sem esquecer a afirmação do heroísmo perante o latente estado de cobardia e de “bufaria”. Por isso tudo, damos aqui corpo (e o corpo, como sói dizer-se) ao presente MANIFESTO.

O que nesta hora mais marca o mundo em que vivemos é o autêntico lodaçal de desordem mundial em que, pela via de uma acelerada e intencionalmente provocada mutação política e social, este se tem vindo a aviltar e a converter-se num universo atomizado (global-desagregado) e onde os valores da ORDEM TRADICIONAL estão a ser ferozmente atacados e objecto da mais desenfreada e despudorada acção de subversão de que há memória na História de toda a humanidade.

E quando se aborda aqui aquilo que designamos por ORDEM TRADICIONAL (de sentido primordial), será bom não confundir a dita com o tradicionalismo que, regra geral, corporiza uma carga ideológica (mesmo de facção político-partidária) e que por isso mesmo define, a maior parte das vezes, o pensamento político conservador, o que é outra coisa.

Não é por acaso que o grande drama da nossa época se centra no facto de a decadente civilização ocidental e, por tabela, todo o restante mundo, ter já sido literalmente sacudido e tomado de assalto por poderosas e obscuras forças especialmente interessadas em alimentar todo este estado de anarquia e desordem em que hoje o mundo desgraçadamente repousa.

Vive-se nos tempos de hoje a fomentação (a todos os níveis) de um desconcerto generalizado que já atingiu todas as camadas sociais e que levam estas a latentes (e cada vez mais frequentes, como todos os dias constatamos pelos media) estados de desespero e angústia que, naturalmente, são responsáveis directos pela “arquitectura” deste “Mundo Moderno” que habitamos e que caminha, a passos de gigante, para um possível cataclismo total.

Também facilmente se constata que nos tempos que nos tocaram por desditosa sorte, o conceito do bem e do mal estão ambos completamente esbatidos. A própria noção de pecado é uma coisa que já não é tomada a sério, quando outrora era um sentimento tão vivo, hoje não passando, para demasiados, de “um deplorável anacronismo religioso e reaccionário”, dizem.

Tudo isto é mais sinistro, quando anuncia a perda pelo homem da sua privada comunhão com Deus. Estamos, em suma, numa época (numa triste época) em que o maior triunfo do diabo foi este ter feito crer à maioria das pessoas que ele [diabo] não existe.

Estamos todos a viver no presente momento aquilo a que a milenar cultura e sabedoria hindu ensina e designa como a Quarta Idade (da burguesia-proletariado-homem-massa) ou de Kali-Yuga.

Enfim, todo um universo, onde o feio; o contaminante; o reducionismo; o absurdo; a horizontalidade; o medíocre; o monstruoso; o corrupto; o politicamente correcto; o primarismo das massas; a ditadura esquerdista e da imbecilidade militante; o ócio; o podre; o cobarde; o gosto desmedido pelo luxo; a linguagem de urinol; a quase ausência de códigos e normas, por mais básicas que sejam, prevalecem já sobre os poucos valores que ainda tentam manter-se à tona da água e em luta tremenda contra todo este maremoto de demência colectiva que tudo ameaça engolir e criminosamente subverter.

Ora é, precisamente nestas ocasiões, que inevitavelmente arrastam atrás de si incomensuráveis sacrifícios na nossa vida pessoal; dificuldades e incertezas, que realmente nos devemos mobilizar e dar sinais de que estamos plenamente à altura de homens da resistência, com a demolidora convicção (fé) de que os focados homens (dos homens de pé no meio das ruínas, como disse Julius Evola) não são do passado, antes do futuro.

Por isso SOMOS uma ORDEM MILITANTE de gente Lusa que é intransigentemente fiel a sentimentos que consideram permanentes dentro de um quadro de intensa portugalidade e que não abdicam nem desarmam da defesa de princípios que acham essenciais à existência e continuidade (perenidade) de Portugal como país livre e soberano, que pensam nesta muito particular altura que a nossa Pátria atravessa, ser conveniente que se unam esforços (e que nada impede que hajam outros com esse mesmo fim) em torno de um projecto que siga na vanguarda (FRENTE) de um combate mental e de acção, que visa reflectir sobre novas realidades: políticas, sociais, culturais, económicas, religiosas, militares e históricas.

Propomos – resolutamente! – uma luta de renovados quadros nacionais contra a mediocridade reinante, os mitos destilados pelo iluminismo e positivismo oitocentista rousseauneano, propalados pelos seus mais notórios apóstolos e seguidores, como Proudhon, Karl Marx, Engels, Freud, Levy Strauss, Marcuse, Garraudy e outros notáveis imbecis, todos eles filhos dilectos da Revolução Francesa. Queremos lutar contra a atrevida ignorância e obscurantismo das massas.

F u n d a m e n t o s

1. Existem valores supremos que o homem deve servir: são os valores do Espírito. O Espírito, enquanto universalidade e unidade, tudo ultrapassa, porque tudo engloba e em nada está englobado.

2. Só colocando-se ao serviço dos valores supremos, através da superação dos seus instintos, do seu egoísmo e do seu particularismo, é que o homem atinge uma dignidade própria. É pelo inabalável cumprimento dos imperativos morais, pelo sacrifício de si mesmo, pelo heroísmo firme e sem retóricas, que o indivíduo consegue elevar-se ao plano do Espírito. O seu verdadeiro e único direito é, afinal, o de cumprir o seu dever.

3. Na esfera do temporal, é no Estado, entendido como comunidade política, que se objectivam a unidade e a universalidade espirituais. Aí, as pessoas e os grupos integram-se num todo que os excede e onde as suas finalidades próprias encontram realização sem se perderem numa dispersão anárquica e estéril. A obrigação primordial, no domínio terreno, é, pois, para o homem e para os corpos sociais, assumindo-se como membros dessa comunidade, consagrarem-se ao Bem-Comum.

4. A unidade e a universalidade do Estado não aniquilam a diferença ou a diversidade, antes a integram em si. Mas onde há diferença e diversidade, articuladas em função do uno e do universal, tem de haver Hierarquia, quer dizer, Estado orgânico.

5. Não existe Ordem nem Hierarquia sem uma Autoridade soberana que integre a variedade na unidade, a particularidade na universalidade. A Autoridade é, sem dúvida, Poder, embora nem todo o poder seja Autoridade. Esta é o Poder legítimo, o Poder que existe para a harmonia, aperfeiçoamento e realização do conjunto e, consequentemente, das partes.

6. A autoridade dividida é a ausência de Autoridade; só há Autoridade onde o poder é uno; e só é uno o Poder que projecta a sua unidade no tempo, isto é, que seja contínuo e estável.
Perante o governo de muitos, o princípio da chefia pessoal revela a sua indiscutível superioridade.

7. Hoje, o Estado – a comunidade política – só existe sob a forma de Nação. Tendo assim imanentes as ideias de unidade e de universalidade, se cada Nação pode reclamar legitimamente os sacrifícios últimos, nenhuma pode considerar-se um mundo fechado, porquanto todas participam no ethos comum e de destinos solidários. A fraternidade entre os nacionalismos é, pois, uma exigência indeclinável.

8. Dominada por uma antropologia desenfreada, um hedonismo impudente, um tecnicismo cego, pelo pragmatismo e pelo oportunismo, a “civilização” contemporânea é um deserto espiritual. Sob uma prosperidade e uma força aparentes, são já manifestos sinais iniludíveis de decadência e de ruína. Não há, portanto, razão para derrotismos, uma vez que os mitos actuais nada têm de intrinsecamente sólido e duradouro, podendo desmoronar-se de um momento para o outro.
Seja como for, nem o êxito nem o fracasso devem funcionar como critério válido. Com ou sem êxito, há que combater os erros do tempo, pois se ninguém tem obrigação de vencer, todos têm obrigação de lutar.

GLADIUM NACIONAL

domingo, 19 de outubro de 2008

Descaracterização ou Anemia

Há uma importante questão a considerar: como a obediência a ideias regula determinadas práticas e como essas práticas conduzem à afirmação ou inflexão de algumas ideias. A ligação entre pensamento e acção não é alheia a isto.
Nas actuais circunstâncias políticas portuguesas, não se nos afigura necessariamente de reprovar que a Direita constitua uma formação classificável como partido. Nem sequer achamos que concorrer às eleições seja, em todas as alturas, algo de forçosamente reprovável.
O problema consiste no espírito que preside aos actos, consiste em estabelecer firmemente os princípios que devem nortear todo o procedimento, consiste em respeitar uma coerência que dá a verdadeira força às atitudes.
Quando se começa a perder o senso das proporções, dos valores, da sua ordenação e da sua hierarquia, quando os meios começam, mais ou menos subtilmente, mais ou menos inconscientemente, a invadir o lugar dos fins ou a adulterá-los, todo o edifício fica abalado.
Os que deste modo se comportam, obcecados pela eficiência, esvaziam-se da eficácia.
A pretensão de conquistar um espaço eleitoral, de obter uma fatia na Assembleia da República, de entrar para um escaninho do sistema, de se instalar respeitavelmente na democracia, faz, às vezes, as pessoas atropelarem-se a si mesmas, buscando trunfos viciados e acolhendo ou proclamando coisas que lhes parecem mais toleráveis pelos factos e pela mentalidade instalados e mais rentáveis, de imediato, junto da opinião pública. Desaustinados pela conquista dos meios, atabalhoam-se nas contradições, nas concessões e nas adaptações, amarrados à idolatria dum “realismo” que se tem revelado e revelará, afinal, ilusório e pouco ou nada produtivo.
O grave do problema está, pois, nisto: aonde levam esses pragmatismos, estes equívocos, deslocamentos, indeterminações? Ao fracasso, em todas as esferas. Pode dizer-se que “nem honra nem proveito”.
Foi até frequente depararmos com o triste espectáculo do “fugir de Cila para cair em Caríbdis”. Para recusar o colectivismo socialista, defendeu-se o liberalismo económico.
Se pensássemos em ganhar menos, talvez se viesse a ganhar mais. De qualquer modo, não se perderia com mais extensão do que se perde; mesmo no terreno tão vorazmente cobiçado…

Goutart Nogueira

Aproximação Portugal-Galiza

Perigos e Incertezas
(Uma pequena nota)


Desde há uns tempos a esta parte que aqui em Portugal, principalmente na sua Região Norte, vem germinando a ideia peregrina e muito perigosa de uma acentuada e descontrolada ligação à Galiza.
Esclarecemos aqui que tal se centra na procura de uma junção não apenas situada numa ordem de natureza étnico-cultural que, entre o Norte de Portugal e a Galiza existem de facto e lhes são realmente comuns e, diga-se, até muito desejáveis, mas, sobretudo em vertentes políticas e económicas com uma região (Galiza) que politicamente (apesar de uma certa autonomia administrativa) está sob apertado controlo do centralismo castelhano sedeado em Madrid. E é precisamente neste último aspecto onde moram todos os perigos e espreitam todas as incertezas.
Achamos ser conveniente advertir os leitores deste Boletim que este pequeno estudo e análise não visa qualquer tipo de obstáculo a uma cada vez mais alargada e desejável aproximação cultural entre Portugal e a nossa irmã Galiza. Aliás os castelhanistas não vêem com confiança e agrado uma aproximação verdadeiramente cultural entre os povos galego e português. Porque será? O governo de Madrid vê antes com bons olhos uma aproximação exclusivamente situada nos domínios do político e económico. Porque será?
Por isso é preciso que se diga que nada nos impele contra todos aqueles, portugueses e galegos, que de forma entusiástica lutam por uma cada vez mais acentuada acção no estreitar de laços de amizade entre os dois povos irmãos. Até apoiamos muito vivamente todas as iniciativas conducentes a tal, desde que tais empenhos signifiquem de forma objectiva uma deliberada prática cuja meta política final conduza a uma almejada unidade política entre Portugal e a Galiza que, naturalmente, contradiga e elimine a actual existente, ou seja, a que vigora entre a Galiza e Castela, Nação directora daquilo que se convencionou designar por Espanha. Com esta nossa posição pensamos afastar qualquer tipo de equívocos que possam surgir.
Este documento procura apenas alertar os portugueses para quaisquer actos imprudentes (de atrevida ignorância) e de ingenuidade política com que tantos de nós persistem em ter em termos geopolíticos e estratégicos. A realidade (política) castelhano-visigótica existe mesmo e está muitíssimo mais atenta do que às vezes se julga. Diz o nosso povo (vox populi, vox Dei) que precauções e caldinhos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
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Quem de forma – que tem tanto de ingénua como de atrevida ignorância – tem objectivamente propugnado com o maior dos entusiasmos para viabilizar um grande projecto para uma região transfronteiriça do designado em certos meios como «Noroeste Peninsular», demonstra, assim, desconhecer quase em absoluto os mais importantes vectores geoestratégicos que levaram à formação do Condado Portucalense, movimento político, militar e religioso que levaria mais tarde à constituição de Portugal como o primeiro Estado-Nação arrebatado aos Mouros na Península Ibérica. A uma Nação cujas fronteiras são as mais estáveis e antigas da Europa.
Todavia, e apesar deste indesmentível facto histórico, existem grupos de entidades e de personalidades no Norte de Portugal que parecem querer esquecer essa verdadeira lição de geopolítica, de geoestratégia e igualmente de geohistória que os homens do antigo Condado Portucalense nos deram a todos nós com vista a dessa forma quase perfeita e admirável conseguirem a permanência e a independência de Portugal como país livre.
É importante referir que na conquista e num plano geral de consolidação do Reino de Portugal, dois pontos do Condado Portucalense viriam a ter e a desenvolverem um papel e função de vital e extraordinária importância. Foram Braga e o Porto. A diocese de Braga, isso ao separar-se de Santiago de Compostela (Galiza), tornando-se, de imediato, numa importante sede de poder religioso indispensável para o futuro Condado Portucalense, autêntico motor da formação de Portugal.
A tomada definitiva do Porto (Presúria) aos Mouros, levada a cabo por Vímara Peres, representou a consolidação do Porto como grande baluarte cristão e como um fortíssimo centro da burguesia comercial da época, que mais tarde, apoiada por Cruzados do Norte da Europa (em trânsito para a Terra Santa), estaria em condições para dar excepcional e crucial impulso para a conquista e derrota dos Mouros em três rios e estuários do sul, ou sejam, do Tejo, do Sado e do ainda mais a sul, Guadiana. Provando de forma cabal a muito deliberada intenção geoestratégica em prolongar o Condado Portucalense em toda a faixa marítima atlântica de Norte para Sul (1), dando, dessa forma, plena razão ao espanhol Unamuno, quando este muito acertadamente afirmou que «O QUE FAZIA PORTUGAL ERA O MAR». Condição essa que hoje tão desprezamos, tendo a nossa marinha mercante atingido, praticamente, o grau zero de existência. Longe estamos do tempo do célebre despacho 100 (almirante Américo Thomaz) que revigorou espectacularmente a dita.
Foi a muito poderosa burguesia portuense que ao apoiar activamente a causa de D. João I, Mestre de Avis (2), que levaria à realização da Revolução Nacional de 1383/1385, também conhecida pela Revolução do Porto, cuja expressão máxima de vitória foi a 14 de Agosto de 1385, com a Batalha de Aljubarrota. E Aljubarrota, muito ao contrário do que muitos possam meramente
pensar, não foi só uma brilhante vitória das armas nacionais, foi sobretudo um decisivo triunfo da burguesia comercial e marítima «tripeira» (vencedora e firmemente apostada numa futura e gloriosa opção atlântica de Portugal) sobre uma outra claramente iberista e perfilhada por alguns portugueses.
Por estas razões que aqui se apontam e que dentro de um antigo quadro nacional de existência continuam, apesar de tudo, actualíssimas e, particularmente, inextinguíveis, não aconselham a que se embarque prazenteira e tolamente no tal projecto de uma região transfronteiriça do designado «Noroeste Peninsular», para mais com um centro de gravidade económica e política na cidade de Vigo, esta com sérias aspirações em centralizar e coordenar lá todo o tráfego de portos espanhóis e portugueses, levando a que Portugal seja, pura e simplesmente, geoeconomicamente estrangulado. Prova-se assim que o imperialismo castelhano-visigótico é uma entidade real muito atenta e que se serve da Galiza como uma sua espécie de «Cavalo de Tróia». Mas não se julgue que a «manobra» castelhana se empenha e focaliza apenas na organização de uma zona transfronteiriça do «Noroeste Peninsular», visto os castelhanos quererem ir muito mais longe, estando igualmente particularmente interessados no chamado «Sudoeste Ibérico», com especial fulcro na cidade andaluza de Huelva, e que visa criar outra região transfronteiriça envolvendo estrategicamente todo o nosso Algarve.
Não foi por acaso que só apenas no reinado de Isabel, a Católica, é que Castela reconheceu a conquista do Algarve por Portugal (depois de terem passado alguns séculos dessa conquista, note-se). Agora, a sempre matreira Castela, pretende «separar» essa região portuguesa do todo nacional, tal para «quebrar» a continuidade e a nossa frente marítima do Minho ao Algarve. O seu plano é, de facto, capcioso. Lamentavelmente existem portugueses, com altas responsabilidades, para mais políticas, que não notam certas posturas castelhanas, as desvalorizam e atacam antes portugueses esclarecidos que chamam a atenção e alertam contra essa problemática.
Mais do que sustentar tolas ilusões de franca amizade política com a sempre perigosa e manhosa Galiza, em andar com ela de braço dado e metidos em «estórias», planos e projectos transfronteiriços e que tão caros nos poderão vir a custar em termos de segurança e da nossa liberdade e independência nacional, importa, isso sim, reforçar todas as potencialidades existentes no Norte de Portugal, mormente a da sua área metropolitana do Porto e grande Porto, como dínamo de toda a Região Norte (3). Tudo isso sem esquecer os especiais cuidados a ter com os portos do Douro e Leixões (4), bem como a urgente estabilização e regularização da barra do Douro acima (rio-mãe de Portugal), e onde, curiosamente, navegou pela primeira vez a mítica Caravela Portuguesa.
Não é por acaso que Castela vê com muitos maus olhos a existência de um incremento de navegação de cabotagem, de instalação de portos fluvio-marítimos no Douro, não se mostrando nada interessada no seu aproveitamento e desenvolvimento. A plena operacionalidade de Leixões e da navegabilidade do rio Douro, serão factores fundamentais para o Minho e Trás-os-Montes se manterem economicamente interessados mais em Portugal do que na Galiza. Acresce que o rio Douro pode e deve representar uma boa alternativa (até porque mais barata) aos camiões TIR (5) que terão fatalmente sempre que atravessar a Espanha, isso com as mais variadas consequências e gravosas inconveniências para Portugal.

António José dos Santos Silva
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Notas:
(1) Neste aspecto, já Pinharanda Gomes, in Cinco Chaves da Cultura Portuguesa, Revista Política, números 5-6, de 31 de Agosto de 1972, pág. 19, disse: «…A Viagem – Portugal nasceu de um modesto condado, encravado a ocidente de Espanha, delimitado a norte e a oriente pelo reino de Leão e, a sul, pelos principados árabes. Altamente diferenciado, do ponto de vista cultural e linguístico dos restantes principados ibéricos, a situação política do condado portucalense era o de uma insularidade, de um isolamento. Todas as situações permitem três escolhas e o condado portucalense tinha as três opções à escolha: ou permanecer no seu isolamento; ou integrar-se nos demais principados ibéricos; ou forçar as suas limitações, e garantir uma autonomia que, pelo apoio territorial, fosse menos precária do que era.
O mar, o Atlântico é o convite, a ordem de partir. Mas, na ciência da época, o mar não levava a parte alguma. Os primeiros portugueses haviam fome de expansão e de descobrimento. A viagem começou, não por mar, mas por terra. A aristocracia portucalense estava decidida, não a discutir a autonomia dos principados ibéricos seus vizinhos, mas a delimitar uma faixa costeira, que alongasse a costa marítima do condado…»
(2) Podemos dizer que a dinastia de Avis foi, na verdade, o primeiro Estado Novo português. Com ele, a Idade Média, terminou em Portugal.
(3) É percepção do domínio geral e da chamada opinião pública que a Região Norte de Portugal, que outrora nos habituamos a considerar o motor económico de Portugal, tem vindo a perder tal liderança. Por esse facto as gentes nortenhas têm legítimos motivos para ficarem deveras apreensivas em relação ao futuro…
Se entendemos (e bem) a região nortenha como um espaço geográfico com características específicas (o espaço nacional não é homogéneo, como se sabe), devemos também compreender que a Região Norte representa uma área vital para que Portugal cresça no interior de si próprio, alargando, assim, a fronteira do seu crescimento interno como também internacional.
Se é verdade que Portugal, num mundo que já poderemos considerar de era global, tem que saber conquistar competitividade na Europa e no mundo, tem, igualmente, que definitivamente entender que isso tudo terá que passar pela capacidade da região que vimos a falar diversificar actividades cujo dinamismo a levem a adquirir (novamente) poder e natural protagonismo, sobretudo nos tempos que hoje correm, em termos de matéria tecnológica e cientifica (políticas horizontais que privilegiem a qualidade e a inovação), sem olvidar o seu desenvolvimento em escala abrangente.
Faz-se aqui especialmente notar que não se trata da procura e estabelecimento de uma doutrina meramente regionalista. Nem, tão pouco, como muitos possam pensar, se trata de fazer justiça à Região Norte. Trata-se, tão-só, do estabelecimento de uma política nacional (edificadora de novos factores de riqueza) que nunca será alcançada caso, por inépcia, não consigamos potenciar o extraordinário senhorio de iniciativa que superiormente caracteriza a região nortenha de Portugal. É que caso isso se verifique, Portugal, no seu todo nacional, irá pagar os mais elevados juros, isso com as repercussões que daí advirão para o nosso tecido económico e social, já hoje tão fragilizado.
(4) Sem esquecer a plena operacionalidade do aeroporto internacional Francisco Sá Carneiro e o comboio (TGV) Porto-Vigo.
(5) Nem de propósito. Chamamos aqui a atenção para o facto das recentes paralisações e bloqueios dos camionistas, não apenas portugueses, mas igualmente espanhóis e franceses, que pela sua postura reivindicativa (não importa se justa ou injusta), paralisaram quase praticamente o nosso país, constituindo o seu gesto não apenas uma acção de que resultou gravíssimos prejuízos para toda a economia nacional como, também, representou um sério constrangimento à liberdade dos portugueses e colocou em causa a própria segurança nacional. Toda esta questão que aqui apontamos não foi ainda convenientemente resolvida, pelo que ameaça poder repetir-se. Por tal, esta situação merece ser profundamente meditada por todos nós.

O "Oitocentismo" em Decomposição

A fundamentação das atitudes políticas tem tradicionalmente recorrido à Teologia e à Filosofia. Estas, por revelação ou dedução, configurando sistemas de valores hierarquizados, em que o Homem surge num determinado posicionamento, formavam a coluna vertebral das várias concepções do mundo.

O triunfo político das ideologias do iluminismo prescindiu da Teologia e (aparentemente) da Filosofia para a sua justificação. A nova visão do mundo, materialista, estabelecia que unicamente no estudo da matéria – única realidade sensível – poderiam ser encontradas as lei que regiam a dinâmica do Universo, desde os mais simples sistemas inorgânicos físico-químicos até às manifestações mais complexas da existência – estruturação e pensamento das sociedades.

Assim, unicamente à Ciência, como conjunto de disciplinas que pelo seu método e objecto de estudo determinariam com rigor as leis pelas quais se rege o Cosmos, foi dado o direito de cidadania. Nesta ordem de ideias e quando, nos finais do século XIX, se iniciou a estruturação de um conjunto de disciplinas novas, de âmbito diverso, as Ciências Humanas – estudo do homem em situação que escapa nitidamente à aplicação do método cientifico tradicional – todo um esforço foi feito para o seu enquadramento forçado no sistema positivista.

Inúmeras teorias foram sendo elaboradas tentando estabelecer leis imutáveis que regessem todos os aspectos da actividade humana e se fundamentaram, em última análise, nas leis físico-químicas da matéria. Assim, surgiram os grandes sistemas que na Antropologia, na Sociologia, na História, na Psicologia, procuraram justificar os mitos que o oitocentismo criara. O comportamento humano seria governado por leis que simplesmente reflectiam um salto quantitativo e qualitativo em relação às leis gerais que regiam o comportamento da matéria nas suas expressões mais simples.

Podemos reconhecer pois que o labor de um Marx, de um Freud ou de um Levy Strauss, mais não são do que etapas sucessivas na criação de uma teoria geral explicativa do comportamento humano superior, através da descoberta de um principio unificador que estivesse na base do comportamento e, em última análise, tivesse uma ligação directa com as leis dos sistemas materiais inertes. Contudo, apesar de todo o esforço empreendido, nenhum dos notáveis autores ou seus discípulos conseguiu alguma vez estabelecer o «elo perdido» que ligasse as construções ideológicas que realizaram às leis fundamentais da matéria.

Os ideólogos do Iluminismo marxista ou liberal socorreram-se de algumas descobertas «científicas» do século XIX para fundamentar uma concepção do mundo antropocêntrica, em que o Homem «naturalmente bom» não se encontra vinculado a valores de qualquer ordem e cujo comportamento é susceptível de ser determinado por uma estrutura que, à partida, lhe seria estranha – a sociedade. A partir desta base teórica foram sendo desenvolvidas explicações globalizantes para as diversas situações que se ofereciam à observação. A psicanálise, o Behaviorismo e o Lysenkismo são apenas algumas das mais popularizadas.

Contudo, certas correntes do pensamento, não partilhando a concepção materialista do mundo que é própria do Iluminismo, reconheceram a existência de várias formas e graus de abordagem da realidade. Sem pôr em causa a Filosofia como fundamentação última de uma visão do mundo atribuíram à Ciência um importante papel no estudo e esclarecimento de certos aspectos parcelares da realidade. Desta forma, com o concurso do método científico, rectificado no seu rigor e seriedade, têm vindo a proceder a uma revisão profunda das premissas da mitologia pseudo-científica oitocentista. Está em curso uma autêntica «revolução silenciosa» em todos os domínios do conhecimento.

O caso Freeman-Mead mais não é do que o reflexo deste confronto no domínio da Antropologia.

Margaret Mead, durante muitos anos fez escola e ditou leis, na linha de Boas e de Ruth Benedict, com a sua «descoberta» da sociedade samoana, sem repressão e autêntico viveiro de «bons selvagens», mas que não resiste à análise rigorosa realizada por Derek Freeman, feita «in loco». O trabalho de Freeman, amplamente documentado na sua obra (*) demonstrou até que ponto a falsificação dos dados observados é um dos pilares mais importantes da ideologia utopista e pseudo-científica que ainda vigora e contribuiu decisivamente para a queda de um dos grandes embustes na Antropologia contemporânea

Carlos Cardoso

(*) «Margaret Mead and Samoa – The Making and Unmaking of an Anthropological Mith»

Identidade Nacional - As Ameaças

A Segurança Pública e o Desgaste da Solidariedade Social

Identificar as ameaças e as vulnerabilidades é o primeiro passo para estabelecer uma sólida e coerente política de segurança. As ameaças podem derivar de causas naturais, de acidentes ou desastres ou de actos intencionais. Quando estes são causados por uma violação voluntária de uma disposição legal que regulamenta ou proíbe um acto para a protecção da sociedade nas suas componentes e estruturas humanas são considerados crimes. Podem ter uma expressão isolada, contextual ou organizada. De qualquer forma, mesmo os actos criminosos individuais podem ser indirectamente influenciados pelo panorama criminal geral que caracteriza a sociedade onde eles ocorrem. A validade desta afirmação é ainda mais significativa nos dias de hoje, com a irreversível tendência para a globalização.

Incapazes de acompanhar as evoluções das ameaças que, em muitos casos, conflituam com entranhadas convicções ideológicas, os governantes, e as autoridades em geral, manifestam face aos problemas da segurança pública um comportamento que quase diríamos autista. Essa atitude é confrangedora e motivadora de reacções de indignação que conduzem, muitas vezes, a alterações da Ordem e uma potencial escalada da violência, nada característica do quotidiano da maioria dos povos.

Recentemente quando me encontrava à janela de casa, assisti a um episódio que me marcou de maneira profunda. Impotente pela distância, pude ver uma criança, com pouco mais de dez anos, ser assaltada em pleno dia, por um marginal. O episódio é já habitual na zona em que vivo e faz seguramente parte do quotidiano de muitas famílias portuguesas, apesar de os esteticistas governamentais e autárquicos insistirem em negá-lo. Embora indignado, porventura anestesiado pela habituação estatística, não fiquei particularmente admirado.

O que efectivamente me impressionou foi a atitude dos transeuntes adultos que passavam e que, cobardemente, se afastavam olhando para o lado, apressando o passo. A recusa de ajuda a uma criança ameaçada é manifestamente um indicador do baixo nível de solidariedade humana que a sociedade portuguesa de hoje apresenta. E isso deve-nos obrigar a reflectir profundamente sobre as causas que levaram a um tal estado de coisas. Uma delas é certamente o descurar, umas vezes por pusilanimidade e outras intencionalmente, as virtudes cívicas e patrióticas.

A insegurança, que nas grandes urbes aparece quase sempre associada aos grupos marginais e, nomeadamente, à toxicodependência, tem, tal como esse mesmo fenómeno, razões bem complexas. Em última análise, a droga deteriora, corrói ou destrói o nosso melhor recurso social – a juventude. As doutrinas sociais que nos governam, herdeiras da teoria do “bom selvagem” de Rousseau, tendem a auto-culpabilizar a Sociedade pela situação de marginalidade de muitos cidadãos que, voluntariamente, se degradam e afastam das regras mínimas da convivência em comunidade. Sob a capa de doentes[1], embora sem especificação definida, é gasta com eles uma soma importante dos recursos sociais, sem que se veja qualquer diminuição do consumo ou da criminalidade que ele engendra. Em compensação, doentes involuntariamente dependentes de fármacos para sobreviver, como os hemofílicos, os diabéticos, os que sofrem de esclerose múltipla, etc., são pouco mais que ignorados. Por incapacidade, conveniência judicial e policial do mal menor ou por pretensa piedade, toleram-se os toxicodependentes que todos os dias intimidam, agridem e maltratam sobretudo os mais novos e os mais velhos. Passa-se por cima desse factor de insegurança generalizado mas em compensação, talvez como manobra de diversão, lança-se o estigma sobre quem bebe álcool, independentemente do consumo, como se esse fosse o verdadeiro problema que socialmente nos afecta em termos de segurança. É obvio que a dependência do álcool foi, é e será sempre um grave problema e um importante factor de insegurança, sobretudo quando escondido no seio do lar, mas por mais areia que nos atirem para os olhos, as suas consequências não são comparáveis às da toxicodependência.

Para a maioria o conceito de Segurança implica um ambiente estável e relativamente previsível no qual um indivíduo ou um grupo possa prosseguir os seus objectivos sem medo de distúrbios ou agressões. As autoridades tendem a avaliar o nível de segurança pela análise dos dados obtidos através da participação efectiva dos crimes. Mas, na realidade a percepção do nível de Insegurança é muito mais importante para a definição das necessidades de segurança que a estatística do crime. Praticamente em todo o mundo, está-se a notar um aumento significativo na extensão e âmbito da criminalidade internacional desde os anos 90, ao mesmo tempo que os indicadores dão nota de uma ligeira descida na interna, nomeadamente nos segmentos da chamada baixa criminalidade. No entanto, o cidadão comum tem uma perspectiva diferente como o demonstram as inúmeras sondagens e inquéritos realizados. O que acontece, amiúde, é que, por falta de confiança no sistema judicial, as pessoas já não se dão ao trabalho de apresentar queixa, introduzindo assim, sem o quererem uma distorção nas estatísticas do crime.

Por outro lado as forças encarregadas da prevenção e repressão do crime encontram-se muitas vezes fragilizadas pela falta de orientação e apoio da própria tutela. A credibilidade das polícias é extremamente vulnerável à ausência de solidariedade das altas esferas políticas muitas vezes formadas por gente que não se consegue libertar da matriz ideológica dos anos 60, normalmente assente num substrato que oscila entre o marxismo pacifista e o socialismo mata-frades. Além disso, a complexidade e inovação das novas ameaças e riscos, bem como a sensação de perigo ou, pelo menos, de desconforto crescem de dia para dia, como uma bola de neve, amplificadas, eventualmente, pela tónica alarmista que alguns meios de comunicação social dão ao assunto. É, por isso, fundamental analisar e tentar perceber as razões profundas das percepções de medo e insegurança. É por demais evidente que o medo que as pessoas, em qualquer parte, têm do crime quer ele corresponda ou não à realidade dos factos, provoca uma alteração substancial nas suas actividades e formas de vida, com trágicas consequências para a coesão identitária colectiva.

José Luís Tavares de Andrade

[1] Será uma nova categoria de morbidade, a doença social? Se fossem considerados doentes mentais certamente haveria lugar a internamentos forçados. Em vez disso, com a desculpa de lhes diminuir o seu sofrimento e lhes aumentar a esperança de vida são gastas somas astronómicas em estruturas e medicamentos enquanto se deixa ao cuidado das famílias os encargos para as tentativas de recuperação. Não deixa de ser sintomático que as maiores taxas de recuperação de toxicodependentes se verifiquem em comunidades terapêuticas suportadas pela Igreja que são também aquelas que menos apoios estatais recebem.

Atomismo e Organicismo

ENSAIO / DUAS CONCEPÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE


Hoje em dia está muito espalhada a ideia de que à democracia se opõe a ditadura. Com efeito, parece lógico a muita gente que, se o poder não for exercido pela maioria, terá que ser exercido pela minoria. Quer dizer: para a maior parte das pessoas o poder baseia-se apenas no número. Será uma visão correcta?

Para respondermos a esta pergunta convém analisarmos primeiro as principais teorias sobre o desenvolvimento e a formação das sociedades humanas. Existem duas concepções fundamentais: a concepção atomística e a concepção organicista.
Segundo a primeira, uma sociedade não passa de um conjunto de pessoas isoladas em que o interesse individual coincide com o interesse colectivo. Essa concepção baseia-se na teoria do chamado Contrato Social que consiste em reconhecer que o indivíduo tem direitos naturais mas não deveres naturais. Segundo esta concepção o individuo só tem deveres, quando os aceita livremente; e o instrumento através do qual ele aceita os seus deveres seria o “Contrato”. Portanto, todas as relações estáveis entre membros da sociedade, toda a vinculação de um indivíduo e um grupo, resultariam do dito contrato. Por outras palavras, segundo o “atomismo”, os membros de qualquer sociedade humana juntam-se em função dos seus interesses. A conclusão que se tira da concepção atomística é a de que a formação das sociedades é um resultado da vontade humana, isto é, um acto racional. Negam-se assim as explicações naturalistas sobre a formação e o desenvolvimento das sociedades.
Segundo a concepção organicista e ao contrário da anterior, as sociedades humanas não são só formadas pela soma dos indivíduos que a constituem; isto porque, da associação de duas ou mais pessoas pode resultar um novo ser, distinto dos que o compõem. Ou seja, uma unidade nova, superior a simples soma das partes componentes, autónoma ou distinta perante outras unidades de convivência, uma espécie de “órgão” vivo e que, em termos sociais, se designa por “instituição”. O institucionalismo vê na formação espontânea das instituições a origem das sociedades.
Entende-se por instituição aquilo que é estabelecido pelos homens, ou seja, o casamento, a família, a associação, a fundação, o governo, o parlamento, etc. Segundo a teoria organicista a associação dos homens através das instituições é um facto natural que não depende originalmente da vontade humana. As instituições nascem, desenvolvem-se e desaparecem sob o impulso de forças que estão além da vontade humana. Visam objectivos superiores ao interesse particular dos seus membros enquanto o contrato visa apenas os interesses dos que o celebram.
Segundo a concepção que se adoptar, tomar-se-á uma atribuição diferente em relação à atitude do poder político. É lógico que a ideia de que se falou ao princípio (a da democracia se opor à ditadura) resulta de uma concepção atomística. Também o sistema eleitoral adoptado na Europa ocidental resulta de uma concepção atomística porque vê nos cidadãos isolados a base do poder. Como vemos, portanto, é muito importante verificarmos qual das duas concepções está certa. As sociedades têm origem natural ou resultam da vontade humana?
Esta pergunta está no âmbito da ciência, portanto devemos procurar saber o que dizem os cientistas. Sobre isso todos parecem de acordo em afirmar que a concepção organicista é a que está certa, ou seja, as sociedades têm origem natural. Com efeito, segundo as descobertas da Etologia, os homens têm tendência para se associarem formando hierarquias que resultam das suas funções nessas associações. Desmond Morris, por exemplo, diz: «Biologicamente falando, o homem tem a tarefa inata de defender três objectivos; ele próprio, a sua família e a sua tribo.» O que é que se pode concluir desta afirmação? Que a vinculação do homem à família e à tribo – exemplos de instituições naturais – têm origem biológica, portanto natural e não contratual.
Se aceitarmos a concepção orgânica de que o poder político não deve pertencer às maiorias ou às minorias, mas sim às instituições através de um sistema devidamente delas representativo é essa, precisamente, a conclusão que tiramos. Não deve estar concentrado no aparelho burocrático do Estado, mas deve ser repartido pelas diversas instituições, conforme a sua importância e o âmbito em que se inserem. Os próprios democratas reconhecem a razão desta afirmação ao darem uma grande importância aos sindicatos e associações patronais, os chamados “Parceiros Sociais”.
Mas nos regimes liberais, estas organizações não têm função que teriam num regime institucional porque limitam-se a servir para unir os seus associados contra o inimigo exterior, enquanto num regime institucional teriam a seu cargo a resolução dos problemas internos do sector a que dissessem respeito. É o caso, por exemplo, das profissões (salários, horário de trabalho, qualificações exigidas para o desempenho da profissão, etc.) e dos conflitos com as outras forças sociais, que não seriam resolvidos com situações extremas como o Lock-out e a greve nos regimes liberais e o desaparecimento das classes nos regimes socialistas, mas sim com a negociação entre as partes interessadas e a mediação do Estado. Além disso um sistema orgânico evita que os interesses das minorias sejam desprezados. Assim num país industrializado em que a maioria da população é constituída por operários se houvesse um regime institucional os agricultores não teriam problemas em serem minoritários porque eles próprios dirigiriam os seus assuntos. Num regime liberal, os operários é que teriam todo o poder por serem em maioria e seriam eles a decidir quem é que dirigia a agricultura. Quando um assunto é dirigido por pessoas que lhe são alheias, além de se estar numa situação injusta, o resultado não será, provavelmente, o melhor.
Qual será então a função do Estado? O Estado exercerá funções de carácter geral como a defesa interna e externa, a mediação nos conflitos entre as diversas associações e a coordenação das actividades das instituições. O órgão máximo do poder é uma assembleia onde estão representadas todas as instituições directa ou indirectamente, conforme a sua importância e a sua área de acção e que detém o poder legislativo. Assim, no plano administrativo, por exemplo, um conjunto de famílias constitui uma Junta de Freguesia, as Freguesias compõem um Concelho, os Concelhos formam os Municípios que deverão estar representados na assembleia legislativa.
Num regime institucional, cada pessoa é considerada não como “um entre muitos”, mas como um componente essencial de uma estrutura. Por isso, não há igualdade, cada um tem a sua importância adequada à sua actividade, enquanto que nos regimes liberais e marxistas a personalidade não conta, todos têm o mesmo poder (teoricamente, é claro…).
Em conclusão, para evitar a excessiva concentração de poder dos sistemas marxistas e liberais e a desordem dos sistemas anárquicos, propomos uma alternativa descentralizadora e humanista: uma estruturação verdadeiramente orgânica do poder político, adequada à natureza orgânica que essencialmente caracteriza a sociedade.

C. Bobone

Orientações

Quanto ao espírito, existe efectivamente algo que pode servir de orientação para as nossas forças de resistência, de levantamento e de restauração: é o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher o caminho mais duro, de quem sabe combater, mesmo conhecendo que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe reviver e revalidar as palavras da antiga saga: “A fidelidade é mais forte do que o fogo”, através das quais se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e a vergonha da desonra – não de pequenas medidas tiradas de pequenos moralismos - ; eis o que cria uma diferença substancial, existencial entre os seres humanos, quase como entre uma raça e outra raça.
Por outro lado, há a realização própria daqueles em quem o que era um fim surge doravante como um meio, a admissão neles do carácter ilusório de múltiplos mitos, deixando intacto o que eles souberam atingir por si mesmos, nas fronteiras colhidas entre a vida e a morte, para além do mundo da contingência.
Estas formas do espírito podem ser as bases duma nova unidade. O essencial é assumi-las, aplicá-las e entendê-las do tempo de guerra ao tempo de paz que não passa de uma trégua e uma desordem mal contida, até que se determine uma discriminação de uma nova frente de batalha. Isto deve realizar-se em termos muito mais essenciais do que o de “partido” que só pode ser um instrumento contingente visando certas lutas políticas; em termos mais essenciais até do que de simples “movimento”, se por “movimento” entendermos, apenas, um fenómeno de massas e de agregação, num fenómeno mais quantitativo do que qualitativo, baseado mais em factores emotivos do que na severa e clara adesão a uma ideia. Do que se trata, em vez disso, é duma revolução silenciosa, de origem profunda, que devemos favorecer, para que sejam, primeiro, criadas no interior e em cada um as premissas de essa ordem que, depois, terá de afirmar-se também no exterior, suplantando, fulminantemente, no momento justo, as formas e as forças dum mundo em decadência e subversão. O “estilo” que deve imperar é o de quem se mantém sobre posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia, numa intensidade recolhida, numa repulsa por quaisquer proveitos e quaisquer compromissos, num total empenhamento que se deve manifestar não só na luta política, mas também em toda a expressão da existência: na oficina, na fábrica, no laboratório, na Universidade, nas ruas, na própria vida pessoal dos afectos e dos sentimentos. Temos de chegar a um ponto tal, que o tipo humano por nós requerido – seja reconhecido inconfundivelmente, diferenciado, e que dele se possa dizer: «Eis alguém que age como um homem do Movimento.”
Este mesmo lema – que foi o das forças que sonharam uma nova ordem para a Europa, mas que a sua realização foi muitas vezes entravada e desviada por múltiplos factores – precisa de ser retomado hoje. E hoje, no fundo, as condições são melhores, porque não existem equívocos e basta olhar à volta, desde a praça pública até ao Parlamento, para as vocações serem postas à prova e obter-se, claramente, a medida do que nós não devemos ser. Em face dum mundo apodrecido, cujo principio é “Procede como vires proceder” ou “Quem te obriga a fazer isso?” ou também “Primeiro o estômago, a pele, e depois a moral” ou ainda “Não estamos em tempo de uma pessoa dar-se ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “Tenho uma família a sustentar”, opomos nós esta norma de conduta, firme e clara: “Nós não podemos agir de outra maneira, este é o nosso caminho, esta é a nossa forma de ser.” Tudo quanto de positivo se puder obter hoje ou amanhã nunca se obterá mediante a habilidade dos agitadores e dos politiqueiros, mas sim através do natural prestígio e do reconhecimento ou verificação de homens, quer já maduros, quer, ainda mais, das gerações novas, desde que eles sejam capazes de tais coisas e desde que, nisso, apresentem uma garantia para a ideia.
Trata-se, pois, de uma nova substância que tem de surgir (em substituição da apodrecida e desviada, criada no clima de traição e da derrota), num avanço lento para além dos quadros, dos graus e das posições sociais do passado. Trata-se de uma figura nova que devemos ter perante os olhos, para poder medir a nossa própria força e a nossa própria vocação. Esta figura – é importante, fundamental, reconhecê-lo – nada tem a ver com as classes enquanto categorias económicas, nem com os antagonismos que lhe são relativos. Ela tanto se poderá manifestar no papel do rico como no do pobre, do operário como do aristocrata, do empreendedor, como do investigador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político no sentido estrito do termo. Mas esta nova substância terá uma diferenciação interior, a qual será perfeita quando, outra vez, não houver dúvidas acerca das vocações e das funções que temos de seguir e do sentido do mando, quando o restaurado símbolo da autoridade indiscutível reinar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto assinala-nos uma direcção tanto anti-burguesa como anti-proletária, uma direcção totalmente limpa de contaminação democrática e das mentiras “sociais” e, por conseguinte, conduzindo a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de condutores de homens. Desprezo pelo mito burguês da “segurança”, da mesquinha vida estandardizada, conformista, domesticada, rotineira e “moralizada”. Desprezo pelo vínculo anódino, próprio de todo o sistema colectivista e mecanicista, e por todas as ideologias que conferem aos confusos valores “sociais” a primazia sobre os valores heróicos e espirituais, por meio dos quais se deve definir, para nós, em todos os domínios, o tipo de homem verdadeiro, da pessoa absoluta. Algo de essencial será conseguido quando se despertar, novamente, o amor por um estilo de impessoalidade activa, no qual o que conta é a obra e não o individuo, pelo qual nos tornemos capazes de considerar que o importante não somos nós mesmos, mas pelo contrário, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, a finalidade procurada.

Julius Evola
(extracto da obra “Orientamenti”

Nota:
Quando Evola fala em espírito legionário, usa-o numa acepção realmente espiritual e referida à Roma ideal e exemplar que o autor propugnava. É o sentido imperial e, ao mesmo tempo, de dedicação, sacrifício, domínio de si mesmo, combatividade e fidelidade. E que tanto se pode encontrar em antigas legiões romanas, como na moderna Legião de S. Miguel Arcanjo romena, como nos indivíduos cercados pelo mundo contemporâneo.

A Filosofia e o ensino do Direito

A Filosofia é a cabeça da Universidade; e é-o por natureza, sua e da Universidade.
Esta afirmação, tanto no que se refere à natureza da Filosofia como no referente à natureza da instituição universitária, foi sempre, e é, uma constante do pensamento português (dizemos «pensamento português» e não «pensamento acontecido em Portugal»).
Doloroso é verificar que, ao aceitarmos tal posição, somos forçados à conclusão de que temos uma Universidade sem cabeça. Considerando a sua evidente falta de pés, e o agigantado corpanzil, já se vê que estamos perante um curioso fenómeno teratológico. Não pensa, não anda, mas está. Segue-se então que, se não é verdadeira a afirmação de que não temos Universidade, visto que, não correspondendo embora ao conceito, ela está aí, já a primitiva asserção de que temos uma Universidade decapitada nos parece certíssima. Mas que aconteceu à Filosofia?
A Filosofia tem sofrido uma guerra, levada a cabo com armas e em terrenos que não são os seus, e, de reforma em reforma, tem sido de há duzentos anos para cá banida gradualmente da Universidade. Olhe-se a Universidade de Lisboa: hoje, a Filosofia está acantonada numa espécie de reserva, como um bicho em vias de extinção, um cursilho dependente da Faculdade de Letras. Nem sequer merece uma Faculdade.
Como foi possível que tal abandono se tenha concretizado, tendo a filosofia portuguesa defendido sempre, como postulado essencial, o primado da Filosofia? Sendo, de há muito, a «forma mentis» das elites nacionais conformada por moldes estrangeiros, a resposta tem que ser procurada aí; e só poderia ser dada em estudo extenso e profundo sobre o estrangeiramento progressivo dos centros vitais da Nação portuguesa, o domínio do pensamento estranho à Pátria nos mecanismos de decisão e nas instituições definidoras das mentalidades, da opinião e, em consequência, da acção.
A alma colectiva está doente (a aí reside a crise nacional) porque foi inquinada por um pensamento estranho, e isso forçosamente se reflectiu na instituição universitária, como se reflectiu nas instituições políticas e em tudo o que tem sido realização conjunta dos Portugueses.
Mas não era da Filosofia, nem da Pátria, nem sequer da Universidade em geral, que queríamos falar. A ambição era, mais modestamente, a de deixar um breve apontamento sobre as consequências gravíssimas que decorrem, ao que pensamos, do abandono da Filosofia nos estudos de Direito.
Passamos a expor.
O Direito, como qualquer outra ciência, tem um objecto. Sobre esse objecto trabalha e discorre. Mas, exactamente como qualquer das outras ciências, não pode ser objecto de si mesmo. Não pode portanto falar sobre si próprio. Interrogado sobre a essência, a natureza, os fins, os valores, as fronteiras do Direito, o Direito não nos pode responder. A delimitação de uma ciência é prévia a essa mesma ciência: investigar o que seja o Direito não é obra para o Direito, porque é tarefa da Filosofia. Tal dependência das ciências em relação à Filosofia radica na natureza desta, de domínio dos princípios. Uma ciência é um discurso sobre um objecto dado; visa o conhecimento da parcela da realidade que lhe está afectada. É assim um desenvolvimento prático, existencial, de uma ideia ou conceito que carece de ser definido anteriormente em sede própria. Sede essa que só pode ser o domínio dos princípios, que já vimos ser a Filosofia.
Mas, se responder à pergunta «o que é o Direito» não é tarefa do Direito, pode ser tarefa do jurista. Jurista que está então no campo da Filosofia do Direito, que é Filosofia e não Direito. Ora saber o que seja o Direito parece ser essencial a um jurista. De onde a necessidade de, no ensino do Direito, se fornecer a indispensável formação filosófica, ultrapassando a preocupação estreita de cingir as matérias ao campo exclusivamente técnico-jurídico.
Da mesma forma, parece conveniente à formação do jurista a aquisição de algumas noções que só uma reflexão acerca dos valores lhe pode dar. É que realmente o Direito é uma ordem normativa, mas não é só isso: tem que prosseguir valores, e tais valores informam o sistema normativo, sendo-lhe anteriores logicamente. Tanto assim é que, se assentarmos em valores determinados e, fiéis a eles, analisarmos um sistema legal que os contrarie, a conclusão que tiramos é seguramente a de que as leis estão contra o Direito. Até porque, e aqui recordamos o bom senso que caracterizava os juristas medievais, um torto nunca pode ser Direito.
Mas, se os valores são na verdade matéria imprescindível a considerar pelo jurista, os valores não podem ser objecto da ciência jurídica: são-o da Filosofia.
Concluímos, então que ninguém pode alcançar a compreensão do Direito sem o abordar filosoficamente. O Direito, como aliás as outras ciências ou artes, precisa de ser considerado filosoficamente, para que não se confunda e essencial com o acessório, o permanente com o acidente, o necessário com o arbitrário.
De tudo resulta a necessidade que apontamos, e reputamos urgente, de, no «curriculum» das nossas Faculdades de Direito, serem incluídas, ao menos, cadeiras de Introdução ao Direito, introdução não jurídica mas filosófica, com a missão propedêutica de conduzir o estudante à percepção global do universo jurídico fazendo-o contactar com os problemas fundamentais da sua essência e da sua existência, bem como autênticas cadeiras de Filosofia do Direito onde sejam desenvolvidas as questões eternas do Poder e do Estado, da Legitimidade e da Legalidade, da Segurança e da Justiça, da Ética e do Direito, e tantas outras que exprimem a força e a fraqueza, a desgraça e a glória da ciência jurídica.
Não alimentamos a ilusão de que estas ideias entrem em crânios atrofiados pelo positivismo; mas também não é a eles que a nossa prosa é dirigida. Quando proclamamos o que pensamos ser a verdade, temos sempre uma esperança, ainda que vaga, de que ela seja atendida; mesmo que a sintamos enredada na angústia de não sabermos por quem.
Todas as indicações disponíveis apontam para uma perspectiva desanimadora: o entendimento prevalecente é o contrário ao nosso, e provavelmente continuará a ser. Temos assim como certo que os estudos de Direito, à semelhança do que acontece com os outros cursos superiores, continuarão a ter planos orientados pela moderna lógica da especialização: o ideal é que cada pessoa saiba cada vez mais de cada vez menos. Portanto a tendência será para afastar quaisquer matérias periféricas, que ultrapassem o campo especificamente jurídico. Esse campo será ainda mais parcelado e na opção entre as parcelas postas à sua disposição se esgotará a liberdade de escolha dos alunos.
Estes sairão então das Faculdades cada vez mais «especializados»: quer dizer, cada vez com mais uma visão mais limitada do mundo que nos cerca. E sem a capacidade para alargar esses estreitos horizontes, porque a interrogação e a reflexão são o início da Filosofia, e o abandono desta, somado com a repressão a toda a atitude crítica, terão provocado nos espíritos o horror ao pensamento livre. Desta forma o que se ensinará nas Faculdades de Direito será apenas o que no Direito resta depois de afastado tudo o que o transcende (e que é o que lhe dá sentido). E, se afastarmos o que atrás temos temos referido, não há dúvida de que o que resta são as normas, e mais um conjunto de técnicas para as manejar. Um objecto e um instrumento: que bárbara amputação! Perdida a ideia que lhe é própria, a ciência arrasta-se numa existência abstracta e vazia, carecida de qualquer sentido.
Os indivíduos assim deformados serão talvez óptimos burocratas das leis, isentos da mania funesta de pensar, e aptos a servir quem o faça por eles, sem qualquer sobressalto crítico. Estará então concluído o processo trágico que leva, por confusões sucessivas, à identificação do Direito com as Leis, numa primeira fase, e das Leis com a Vontade do Poder, numa segunda fase. Não haverá então nem uma Ética a respeitar, nem valores a comandar as escolhas essenciais. Tudo isso será estranho a essa «consciência jurídica».
Teríamos assim que formalizar solenemente o diagnóstico que já hoje nos assalta o íntimo, e que, amargamente, sentimos o dever de aqui deixar: Incapacitados de inteligir as essências, impossibilitados de alcançar a teleologia das matérias em que se ocupam, as pessoas formadas pelas nossas Faculdades de Direito (e a grande maioria dos que por lá ensinam) são, cada vez mais, indivíduos que da sua ciência só conhecem um conjunto de técnicas. Nunca poderão dar o passo fundamental que separa o legista do jurista.
Abandonando a Filosofia, os homens de leis esquecem o Direito, os universitários descaracterizam a Universidade, como os povos perdem o que os tornou uma Pátria.
Só no regresso à Filosofia está o caminho do reencontro.

José Lúcio

O Destino das Nações

A forma de coexistência chamada Nação representa uma circunstância tão perfeita de viabilidade que todos os poderes políticos tendem a fazer convergir o seu povo para essa condição.
Professor Adriano Moreira

A fase mais característica do colapso de uma civilização é a fase penúltima da desagregação, identificável em muitas civilizações, tanto passadas como presentes, e a que Toynbee chama O ESTADO UNIVERSAL. Cada sociedade em declínio obtém um período de alívio quando se submete a uma poderosa unificação política ou Império Universal.
Vintilia Horia

Não se sabe bem quando nem como começou a generalizar-se a ideia, por vezes mais intuitiva que intelectiva, de que nos encontramos no fim de um ciclo histórico, no ocaso de uma civilização que já atingiu o zénite e se encontra pois na sua fase descendente. Não importa sequer alongarmo-nos no assunto, citando factos, apresentando argumentos, socorrendo-nos de opiniões de todo o género de pensadores; parece que, embora não se trate de um ponto assente ou de um dado adquirido visto que ainda que há muito e muitos (parecem apontar?) apontam em sentido contrário, se trata já de uma posição defensável, objectiva e científica, e sobretudo defendida. E porque já defendida não se concorrerá aqui as razões de muitos que, a despeito da diversidade das fontes e das vias escolhidas, convergem na mesma encruzilhada: a actual época histórica aproxima-se do seu termo. Aceitamos pois o seu contributo, tomemos essa sua conclusão como pressuposto e, a partir daqui, comecemos estas linhas.

A BIOLOGIA DAS CIVILIZAÇÕES

Um dos livros mais importantes deste século foi a célebre obra de Oswald Spengler A Decadência do Ocidente – Ensaio de uma morfologia da História do Mundo. Lá, o ensaísta e pesquisador alemão faz pela primeira vez uma análise das culturas como corpos, segundo uma perspectiva morfológica-histórica pelos quais aqueles nasceriam como qualquer ser vivo, debaixo das leis históricas mais ou menos válidas, mais ou menos vigorosas, em organismos, melhor ainda: organismos como culturas (no começo) e como civilizações (na segunda fase). Cada cultura possui pois a sua própria e especifica civilização, ou seja, a sua evolução a partir das formas mais profundas e criadoras do espírito, inclusas no conceito de cultura, até aos estádios mais esotéricos e artificiais a que pode ascender uma espécie humana superior, e que seriam as civilizações, ocasos das culturas. Neste momento, no auge da técnica encontrar-nos-íamos portanto, segundo Spengler, numa dessas fases finais, em um acaso do Ocidente.
Outro pensador, o historiador inglês Arnold Toynbee, aponta a actual fase da decadência do Ocidente como uma «fase antepenúltima» que designa por «tempos revoltos» os quais podem preencher vários séculos. A esse período suceder-se-á a etapa do império universal (cfr. Supra, a citação feita imediatamente ao título) ao que se seguirá um interregno que precederia o colapso final. Podemos aliás testar este esquema em relação a algumas culturas-civilizações históricas conhecidas: nomeadamente a Helénica (recorde-se a unificação imperial das cidades gregas após a guerra do Peloponeso, sob a bandeira de Esparta a que se seguiu a de Tebas, numa fase que precedeu um interregno a que se seguiu um colapso final) e a Romana (o período mais florescente do Império durante a dinastia dos Antoninos, quando o Império Romano conheceu a sua máxima extensão territorial) como exemplos e modelos mais conhecidos e identificáveis.
E o Ocidente actual? Parece sobretudo que pela primeira vez escasseiam as «alternativas», normalmente uma cultura-civilização acaba, no seu colapso, por ser subjugada, ou pelo menos substituída, por outra como «potência dirigente» de uma determinada esfera geográfica (na Antiguidade do «universo conhecido», ou do «mundo civilizado»). Ora actualmente, e como consequência do prodigioso desenvolvimento técnico científico, e sobretudo com o progresso das comunicações que, em termos civilizacionais, aboliram as distâncias, chegou-se a uma civilização planetária, à «aldeia global» de Marshall Mc Luhan. Então, depois de um eventual colapso desta civilização planetária o que se lhe sucederia? Parece de facto que não se vislumbram alternativas.

O QUE NOS ESPERA

Creio haver eventualmente cinco fórmulas no âmbito das quais poderão caber estes próximos séculos do nosso futuro. Em primeiro lugar, o Ocidente possui fundamentos e energias para empreender um novo começo, ou ciclo, que seria o Terceiro por hipótese. Em segundo lugar, este novo impulso assumirá dois aspectos: um, segundo a variante americana, outro segundo a variante russa, da mesma forma que na sua primeira fase o Ocidente se cindiu numa variante ocidental europeia e outra bizantina. É também possível que apenas uma destas variantes consiga subsistir. Em terceiro lugar o Mundo Ocidental poderá decompor-se a partir do interior, perecer no termo de uma conflagração de tipo atómico. Nessa hipótese salvar-se-iam apenas fragmentos da nossa civilização, nas suas extremidades hispano-americanas, australiana e japonesa. Em quarto lugar, poderia quiçá pensar-se na remota possibilidade de uma nova civilização brotar em qualquer ponto do planeta que um dia se voltasse contra o Ocidente e o aniquilasse. Finalmente, em quinto e último lugar, nenhuma razão existe para afastar a possibilidade de uma ossificação ocidental, semelhante às ossificações de que foram vítimas o Islão, a Índia e o antigo Egipto. São palavras escritas pelo historiador francês Jaques Soustelle. De todas estas hipóteses convenha-se que a primeira parece ser a única verdadeiramente digna de um passado fecundo e altivo, pressupondo-se que a segunda alternativa (que seria um pouco a continuação de um presente-actual, a confirmação dos últimos trinta anos, nos quais precisamente se incrementaram as opiniões e as teses que diagnosticavam a evidência cada vez maior do processo de decadência) não o seria verdadeiramente, mas apenas um intervalo, antes de suceder uma das três últimas. Soustelle foi pouco explícito acerca da concretização e dos pormenores da primeira alternativa.
A nós parece-nos que ela terá de ser sobretudo um regresso às potencialidades das especificidades e das idiossincrasias, e à exploração das suas qualidades, das suas múltiplas virtudes. A salvação do Ocidente está no regresso à diversidade.
Contra as actuais tendências de universalismo político, integracionismo económico, globalização dos problemas e das suas soluções (quando elas existem), máxime de governo mundial, contrapomos nós a ideia de aproveitamento da fertilidade das diferenças, das potencialidades das diversas componentes nacionais dessa gigantesca realidade multifacetada que foi (e é?) a Civilização Ocidental.
Não se pregue um isolacionismo reducionista, nem a destruição de pontes de intercâmbio sempre úteis; apenas se lembra que na procura exacerbada da unidade se perdem as virtualidades de cada um, as identidades que formam as faces do prisma geral, o qual indirecta mas consequentemente também perderá a identidade. Além de que, a planetarização da civilização actual restringe, ou elimina mesmo, as alternativas no caso de fracasso da única estrada deixada em aberto. Um coelho selvagem ou um furão quando constroem a sua toca não se limitam a dar-lhes uma saída, mas várias. As diversidades nacionais da Civilização Ocidental serão as suas saídas. Ou então não haverá saídas.


. A GRÃ-BRETANHA, santuário do liberalismo, a tenacidade, a teimosia, o isolamento insular, a capacidade de resistência, o sentido comercial, o snobismo, um certo estilo desportivo de coragem, Shakespeare ou Chesterton, Carlyle, Wilde, Shaw, Gibson, Kipling ou John Locke; e Palmerston, ou Gladstone, Drake, ou James Kook, Isabel I ou Cromwell, Ricardo Coração de Leão ou Winston Churchill, Montgomery, Allenby ou Welleslley.

. A FRANÇA, e a patente das grandes transformações revolucionárias e burguesas, jacobina ou imperial, pomposa e cortesã, exaltada e impulsiva, chauvinista, frívola e culta ou rude e individualista, Maurras e Hugo, Balzac e Zola, Drieu la Rochelle, Voltaire, Montesquieu e Proudhon, Malraux e Bernanos; a França maquiavélica de Luís XI, espampanante de Luís XIV, reaccionária de Carlos X, revolucionária de Robespierre, mística com Joana D’Arc, teatral com De Gaulle, heróica com Pétain em Verdum, com os pára-quedistas na Argélia e na Indochina. E tudo isto, mas em excesso, com Bonaparte a segurar a Bandeira tricolor.

. E a ALEMANHA, rígida e disciplinada, militarista e cortês, perseverante e universitária, guerreira e majestosa atrás da águia heráldica, Fichte e Kant, Rilke e Mann, Nietzshe e Junger, Hegel e Schmitt; e Frederico o Grande e Luddendorf, Bismark e Maximiliano da Baviera, Wallenstein e Hitler, Adenauer e Otão o Grande.

. E a ESPANHA, orgulhosa, extremista, excessiva, religiosa, austera e isolada, violenta e honrada, sempre um tudo-nada anacrónico. É Calderon de la Barca Velásquez, Goya, El Greco, Danoso Cortes, Unamuno, Cervantes; e Canovas, Carlos V, Fernando e Isabel, Pizarro e Elcano, Primo de Rivera e Franco.

. E a RÚSSIA, autocrática, desigual, terna e cruel, submissa e revoltada, imensa, cinzenta, resistente, inabalável, introvertida, imperialista; Ivan o Terrível e Alexandre Nevski, Pedro o Grande e Catarina, Nicolau I e Lenin, Estaline e Alexandre I Romanoff, que vergou Bonaparte. E Gorki, Tolstoy, Dostoiewski, Pasternak, Eisenstein e Gogol.

. E PORTUGAL, saudoso, insatisfeito, melancólico, poético, aventuroso, individualista, improvisador e leal, universalista e particular; é D. Diniz, Infante D. Henrique, Afonso de Albuquerque e Nun’Álvares, Pombal, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães e Mouzinho, Salazar e D. Pedro V; e Camões, Bernardino, Nuno Gonçalves, Gil Vicente, Pessoa, Eça, Herculano, António Vieira e Pedro Hispano.

Seis Nações, seis culturas, seis civilizações em uma civilização global. Apenas seis, tiradas à sorte, arbitrariamente, numa imensidade. Os Estados Unidos (embora uma civilização recente), a Itália, a Áustria… E aproveitando as facilidades actuais de outras civilizações, a Índia, a China, a América Latina, a civilização Árabe, o Japão (despojado da chocante americanização de que foi vítima após 1945…)

CONCLUSÃO

É no aproveitamento desta riqueza incomensurável, que um pouco exaustivamente exemplificamos, que reside a alternativa. Não se pode alienar tudo isto por troca com projectos vagos e materialistas, reduzidos e utópicos, na mira de uma pretensa construção de um Estado Mundial, de um Estado Universal que ainda que possível, mais não seria (como vimos em análise de Toynbee) que uma fase episódica, o fulgor da morte, o esplendor fictício da penúltima fase de desagregação.
A civilização do Ocidente é uma civilização de Nações, sinóptica e una na diversidade. E é no retorno à sua natureza própria, e só nela, que o Ocidente poderá sobreviver.

José António Carvalho

Governo mentiroso

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Contributo para a caracterização de um pensamento político de direita no início do século XXI

Num mundo que após terem colapsado os regimes comunistas europeus do dito bloco Soviético, passou a estar dominado por um modelo capitalista, temperado aqui e ali com alguns laivos de intervencionismo estatal social-democrata ou socialista, na esfera económica, pela democracia representativa na organização política e por uma totalitária dominância filosófica e ideológica da esquerda no campo cultural, pretende-se nas linhas que seguem sintetizar em moldes actuais, como que em jeito de “balanço da situação”, os pontos doutrinais susceptíveis de continuarem a caracterizar um modelo de pensamento, um ideário e uma mundividência “de direita”, que se contraponha ao asfixiante unanimismo do “pensamento único” instalado na comunicação social, nos meios artísticos, nas escolas e nos centros do poder.
1. A recusa da actual democracia parlamentar e a opção por formas orgânicas de representatividade política.
Na perspectiva da sociologia empírica de Gaetano Mosca, Vilfredo Paretto e Robert Michels provou-se que as elites políticas não são nunca o produto da vontade das massas mas que as minorias se seleccionam a si próprias, por auto-afirmação e concorrência. E, por isso, os dirigentes dos partidos políticos não são fiéis mandatários livremente escolhidos pelo povo mas oligarquias, tanto mais fechadas sobre si mesmas quanto mais organizado for o partido. Em resumo, o parlamentarismo pluripartidário, que é a forma mais evoluída de democracia inorgânica, não é, nem remotamente, a suposta expressão da vontade geral.
Gonzalo Fernandez de la Mora
No actual estado de desenvolvimento civilizacional resulta indefensável qualquer regime dirigista, que assente em legitimidade de tipo dinástico, ou na força das armas. A população, nos países ocidentais desenvolvidos pelo menos, está suficientemente informada para reivindicar o direito de ter algo a dizer quanto à escolha daqueles que vão conduzir os seus destinos colectivos. Mas assente este pressuposto há que recusar o parlamentarismo herdado dos séculos dezoito e dezanove, por dissociado das realidades actuais. As interessantes propostas do corporativismo doutrinário nunca foram realmente testadas na prática porque os regimes que as consagravam na letra das suas constituições políticas ou não tiveram a coragem de levar até ao fim os princípios que diziam defender ou foram militarmente derrotados depois de se terem deixado arrastar para formas ditatoriais autoritárias, tudo sacrificando ao culto de um chefe supostamente clarividente como se a humanidade ainda estivesse no tempo de Alexandre Magno, Trajano ou Tsin Shi Huang-Ti…
Resulta daqui que se deve propugnar um novo modelo de selecção dos governantes que confira aos cidadãos um efectivo controlo sobre os desempenhos de quem os representa, e possibilite a todas as correntes de opinião, desde que não contrárias aos interesses nacionais, a possibilidade de intervirem politicamente de forma consequente, pondo-se cobro ao monopólio das actuais oligarquias partidárias que se substituem no poder. Os círculos políticos uninominais, em que os cidadãos de cada circunscrição possam escolher entre pessoas concretas, a quem responsabilizarão na próxima eleição se não cumprir as promessas eleitorais, temperados com um círculo nacional residual que possibilite às pequenas forças políticas aceder também aos areópagos do poder, a proibição dos políticos eleitos acumularem as suas funções com qualquer outra actividade profissional lucrativa, a impossibilidade de reeleição para qualquer cargo político, incluindo as autarquias locais após três mandatos, a liberdade de voto no parlamento sem fidelidade partidária, são sugestões para uma imediata moralização da vida pública. A prazo será defensável um estudo aturado no sentido de actualizar a ideia corporativa adaptando-a ao mundo de hoje e à globalização económica. Tarefa, reconheça-se, eivada de numerosos escolhos. Mas tudo muda e talvez o futuro recupere a necessidade de se recorrer a esses conceitos que verdadeiramente nunca foram testados.
2. Uma concepção pessimista sobre a natureza humana, por contraposição ao optimismo ontológico da esquerda.
A razão da necessidade da existência dos governos é que somente as leis são capazes de conter as paixões dos homens. É com a ajuda das leis que o governo pode preservar a sociedade; essas leis não são substitutos da virtude, não podem sequer inculcar a virtude no coração dos cidadãos; o seu papel é suprimir o vício: a lei é, em geral, formulada numa linguagem negativa.
Louis de Bonald
O ser humano é uma natureza decaída desde o pecado original. É capaz de se superar e de fazer o bem, mas luta permanentemente contra a tentação da facilidade, do ócio, e dos apelos hedonistas. As instituições sociais, a sabedoria imemorial dos usos e costumes, as leis, os princípios de comportamento, embora careçam de ser aperfeiçoados e temperados com o evoluir dos tempos, não são maléficas construções dogmáticas para coarctar a liberdade de seres supostamente “bons por natureza” como pretende o optimismo esquerdista, mas sim condicionantes necessárias para que o homem concreto, feito do “barro e da costela de Adão”, controle os seus instintos nocivos e se eduque no sentido da vida em comunidade e do aperfeiçoamento moral e civilizacional, legando aos seus descendentes um mundo melhor do que aquele que encontrou à nascença.
3. Uma perspectiva estóica de moderação em relação aos bens materiais, em detrimento do culto do progresso galopante e do consumismo frenético.
Houve tempos em que os povos do Ocidente, talvez por mais chegados à intimidade da terra e ao saber que dela se colhe, consideraram outras utopias tão aliciantes como estas simples visões do espírito. Hoje, porém, o artificialismo em que se vive afastou a inteligência para tão longe da realidade que se acredita sem custo no absurdo de um progresso infinito num mundo finito; se aceita, ou se esquece, a contradição que representa aspirar e lutar pelos altos níveis de consumo das chamadas sociedades desenvolvidas, quando elas assentam num crescente aumento da ignorância e da fome para dois terços da humanidade.
Que importa que se saiba, cientificamente, que a extensão destes níveis de consumo a toda a humanidade esgotaria, em menos de vinte anos, as matérias-primas existentes na Terra, para só falar destas? Não importa que se saiba porque o materialismo insensibilizou a consciência dos homens do nosso tempo a tal ponto que cada um pensa apenas em si e que depois de si pode vir o dilúvio.
Fernando Pacheco de Amorim
O progresso não consiste num acumular maníaco de riqueza susceptível de esgotar os recursos naturais do planeta e tornar a vida impossível para os nossos descendentes. A cultura do desperdício e do supérfluo, característica do “american way of life” deve ser substituída por uma orientação que condicione a actividade económica no sentido de favorecer as actividades que gerem emprego em lugar de substituir pessoas por máquinas, lançando-as no desemprego e na marginalidade, que negue a possibilidade de se estragarem bens quando dois terços da humanidade vive em situação de carência, que vede o multiplicar das actividades especulativas e impeça as economias de casino, e que substitua pela filosofia da contenção e de uma nova espiritualidade sob pena de, em não mais de duas gerações, graves convulsões sociais e crises ecológicas (hoje já bem latentes) fazerem entrar em colapso os níveis de vida actualmente conseguidos pelo Ocidente.
4. A cultura e a arte como sublimações do real, versus a cultura e a arte como distorções do real.
Leitura desagradável. Imprimem-se (…) nos nossos dias livros onde as palavras obscenas são reproduzidas com todas as letras – quero referir-me àquelas palavras que outrora se não viam senão nas paredes dos urinóis, nas gares mal iluminadas. (…) Em Sade o acto de violência segue-se imediatamente à palavra obscena. É ela que dá o sinal: violado o primeiro tabu, todos os outros desaparecem. (…) Vem primeiro a degradação pela palavra, depois pelo acto. Mal a liberalização chega às últimas barreiras abre a porta aos assassinos. É uma lei geral.
E, enfim, de um ponto de vista formal que queda na chateza, que falta de imaginação; que cegueira, diante desta dança à beira do abismo, que é o direito hereditário do artista e da sua liberdade! Ele triunfa, alado, na graça imponderável do verbo – lá é que reside o seu risco e o seu poder redentor.
Ernst Jünger
A direita defende um conceito e uma ideia de cultura e de arte elevados, que respeitem a dignidade humana na convicção de que um poder superior a conferiu, e cultivem os valores da beleza, do sublime e da harmonia.
A esquerda propende para uma cultura niilista, que assenta numa caleidoscópica pesquisa do bizarro, na experimentação de novas sensações, na fragmentação do real, e na provocação e subversão agressivas dos valores tradicionais.
5. Busca de uma Ordem.
A ordem é o efeito da vida e não a causa dela. A ordem é sinal de uma cidade forte e não a origem da sua força. A vida e o fervor e a “tendência para” é que criam a ordem. Mas a ordem nem cria vida, nem fervor, nem “tendência para”. Por muito elevada que seja a tua imagem do homem, por muito nobre que seja o teu fim, fica sabendo que ele se tornará vil e estúpido se o enunciares através do guarda. Não é da competência do guarda transmitir uma civilização mas proibir actos sem compreender porquê.
Antoine de Saint-Exupéry
A direita cultiva a necessidade de uma ordem comunitária que estruture a vida das sociedades, que assente em valores transmissíveis de pais para filhos, seja temperada pelo teste do fluir do tempo, e que assegure a cada um a possibilidade de determinar as suas próprias expectativas com base em regras perenes, que se imponham a todos.
Em contraponto, as mundividências libertárias de esquerda, assentes na consagração radical da liberdade sem peias e sem regras, depois de períodos convulsivos de anarquia e abandalhamento geraram historicamente intervenções totalitárias e um estatismo aniquilador das liberdades individuais concretas.
6.O direitista como homem típico das situações de excepção e a multiplicação particularista das organizações de direita.
Mesmo uma multidão se torna fraca quando isolada pois o isolamento trás consigo a desmobilização, o desamparo e, neste mundo de comunicação de massas, a desvantagem decisiva da ausência de coordenação. Não possuindo esse alto comando de que a revolução dispõe graças ao monopólio dos media, os contra-revolucionários não estão atentos, ou pelo menos não o estão simultaneamente, aos perigos que os ameaçam.
O factor tempo escapa-lhes de tal maneira que, enquanto os mais atentos já vêem o perigo, os outros ainda descansam nas formas mais variadas de confortável indiferença.
Ao invés dos revolucionários, permanentemente em pé de guerra, os contra-revolucionários acham-se divididos em grande número de grupos que, embora partilhando as mesmas ideias, não partilham a mesma consciência da ameaça que paira sobre eles. O que alguns julgam essencial, a ser preservado por todos os meios, outros consideram-no não essencial, enquanto um terceiro e quarto grupos seguem ainda linhas diferentes. O resultado é uma posição geral de derrotismo. A mobilização geral revolucionária significa todos os revolucionários reagirem da mesma maneira ao perigo, acenderem-se os sinais de alarme no centro quando na periferia algo de anormal sucede.
Entre os contra-revolucionários não há sequer sistema de alarme: como não existe qualquer rede, o sinal não é transmitido da periferia para o gabinete central de operações o qual, de resto, não existe.
Thomas Molnar
Os direitistas têm tendência para a dispersão individualista, para a multiplicidade de doutrinas e para a desorganização grupal em épocas de normalidade, talvez por se dedicarem essencialmente à família e às actividades próprias da sociedade civil e por reconhecerem aos seus correligionários o direito de seguirem vias doutrinárias diversas e heterodoxas. Apenas em momentos de excepção, de grandes perigos ou conflitos, o direitista costuma aparecer em posições políticas de destaque.
Em contrapartida a esquerda tem uma propensão conatural para a conspiração permanente, para a concertação de actuações mesmo em tempos de paz e acalmia, para o pensamento único e para a defesa unanimista do que previamente definiu como politicamente correcto.
7. A desigualdade e a individualidade das pessoas.
Do homem como mero conjunto de reflexos condicionados, uma máquina, passa-se lentamente para o conceito do homem como um organismo aberto ao meio e às suas influências, mas com códigos de comportamento e capacidades programadas de antemão pela herança genética e transmissível. Da igualdade para a desigualdade do género humano.
Irenäus Eibl-Eibesfeldt
A direita reconhece a desigualdade natural dos indivíduos como dado assente a partir do qual se devem criar condições para que cada um possa desenvolver as suas concretas capacidades pessoais e para que aos menos aptos o Estado, pela via da redistribuição da riqueza, assegure a satisfação das necessidades básicas compatíveis com a dignidade humana.
A esquerda defende uma igualdade abstracta de todas as pessoas, homogeneizando-as, com base em pressupostos científicos oitocentistas que as modernas descobertas da etologia e da física quântica ultrapassaram.
8. Estatuição da responsabilidade individual das pessoas pelos seus actos.
(…) Existe uma fronteira entre o bem e o mal e cada um é responsável por escolher o lado da fronteira em que se coloca. Neste código de valores, a primeira pergunta da civilização da liberdade a um indivíduo não é: como se explica que ele tenha feito isto? A pergunta é: como explicas tu que tu próprio tenhas feito isto?
João Carlos Espada
Para um pensamento de direita os actos individuais, as acções e omissões de cada um devem-lhe ser imputados, extraindo-se depois as consequências. Isto é válido tanto para os julgamentos criminais como para as actuações desportivas, artísticas ou culturais, como ainda para o desempenho de cargos políticos, administrativos ou económicos.
Ao contrário, a esquerda dilui a responsabilidade individual numa plêiade de explicações sociológicas e económicas que tendem a demonstrar que a estruturação da sociedade é que causa deterministicamente tais actos.
José António Carvalho

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Crise Económica, Reflexo de uma Desordem

A decantada crise económica não é mais que um tumor de fixação de um mal generalizado e profundo.
Efectivamente do que se trata é da contumaz e desabrida subversão de uma ordem. Verdadeiramente o que está em curso é a destruição ignominiosa dos fundamentos e dos valores de uma Civilização. A crise não é propriamente de economia, mas de doutrina e de autenticidade.
O despudor hedonista, a ânsia materialista, o desaforo consumista, tornaram o Ocidente ocioso, guloso e balofo; a adopção desse filho espúrio que é o existencialismo ateu justificou a alienação do seu sentido, da sua missão, do seu destino; com o mesmo efeito, a promoção da versão eufemista e anestesiante de existencialismo, aquilo a que hoje se vai chamando humanismo para significar-se o homem referenciado a si próprio.
Descambou-se numa civilização do comprimido e do botão, símbolos míticos da renúncia ao sofrimento e ao esforço; de renúncia ao merecimento.
Vivem-se as falácias do progresso e do bem-estar como simples frutos de reivindicação e, como resultado, as frustrações que geram o niilismo que se afirma e massifica.
Impera o pacifismo, mitificação da paz, para justificar a desmobilização que nos prepara para ser presas fáceis de qualquer paz que não é a nossa.
O pragmatismo que começou por ser uma tentadora filosofia do senso comum e prático e se converteu na confusão entre a prossecução da verdade e a prossecução do útil imediato. A tecnocracia que cingiu a avaliação dos custos dos bens de que gozamos a um cálculo económico-contabilistico imediatista e vem propor como objectivos para o destino das nações, números, taxas, e que se vangloria de atingi-los como se governar se reduzisse a gerir cifras.
Os governantes dos regimes que nos sujeitam não alcançam ou não querem assumir a responsabilidade que os legitimaria, ou seja, a defesa dos autênticos princípios e valores pátrios, o prescutar dos clamores abafados da nacionalidade, o apontar e dirigir objectivos de dignidade, de grandeza e de missão, o realizar de um destino.
Perdida a perspectiva da história, subalternizada a Honra, repudiado o Heróico, ficamos à mercê de um qualquer internacionalismo, ficamos satisfeitos com as aparências e devotos do comodismo.
Esquecemos, fazemos por esquecer, que mesmo os bens materiais de que dispomos e em que as gerações de hoje se atafulham despreocupadamente são árduas afirmações civilizacionais, frutos de uma cultura milenária e de uma esforçada luta de conquista.
Merecê-los – quando eles nos não dominam, nem diminuem, nem adulteram – não resulta só de ter moeda para dar em troca, mas também da disponibilidade para nos batermos. Nos tempos que correm pululam os exemplos de que assim é, e, triste sinal dos tempos, concomitantemente os exemplos de tibieza dos supostos primeiros responsáveis em defender uma herança e fazê-la prosperar.
Crise de pensamento, crise de acção, crise de identidade; desordem nos espíritos, desordem na convivência, desordem nos objectivos; eis a degradação do Ocidente.
Assim, particularmente, está Portugal, país sem projecto, amputado no espaço, na população e na alma, cerceado na vocação, distraído do destino.
Não se fale então em recuperar a economia, antes afirme-se o imperativo
de restaurar a Pátria.


Herlander Duarte