domingo, 19 de outubro de 2008

Orientações

Quanto ao espírito, existe efectivamente algo que pode servir de orientação para as nossas forças de resistência, de levantamento e de restauração: é o espírito legionário. É a atitude de quem sabe escolher o caminho mais duro, de quem sabe combater, mesmo conhecendo que a batalha está materialmente perdida, de quem sabe reviver e revalidar as palavras da antiga saga: “A fidelidade é mais forte do que o fogo”, através das quais se afirma a ideia tradicional que é o sentido da honra e a vergonha da desonra – não de pequenas medidas tiradas de pequenos moralismos - ; eis o que cria uma diferença substancial, existencial entre os seres humanos, quase como entre uma raça e outra raça.
Por outro lado, há a realização própria daqueles em quem o que era um fim surge doravante como um meio, a admissão neles do carácter ilusório de múltiplos mitos, deixando intacto o que eles souberam atingir por si mesmos, nas fronteiras colhidas entre a vida e a morte, para além do mundo da contingência.
Estas formas do espírito podem ser as bases duma nova unidade. O essencial é assumi-las, aplicá-las e entendê-las do tempo de guerra ao tempo de paz que não passa de uma trégua e uma desordem mal contida, até que se determine uma discriminação de uma nova frente de batalha. Isto deve realizar-se em termos muito mais essenciais do que o de “partido” que só pode ser um instrumento contingente visando certas lutas políticas; em termos mais essenciais até do que de simples “movimento”, se por “movimento” entendermos, apenas, um fenómeno de massas e de agregação, num fenómeno mais quantitativo do que qualitativo, baseado mais em factores emotivos do que na severa e clara adesão a uma ideia. Do que se trata, em vez disso, é duma revolução silenciosa, de origem profunda, que devemos favorecer, para que sejam, primeiro, criadas no interior e em cada um as premissas de essa ordem que, depois, terá de afirmar-se também no exterior, suplantando, fulminantemente, no momento justo, as formas e as forças dum mundo em decadência e subversão. O “estilo” que deve imperar é o de quem se mantém sobre posições de fidelidade a si mesmo e a uma ideia, numa intensidade recolhida, numa repulsa por quaisquer proveitos e quaisquer compromissos, num total empenhamento que se deve manifestar não só na luta política, mas também em toda a expressão da existência: na oficina, na fábrica, no laboratório, na Universidade, nas ruas, na própria vida pessoal dos afectos e dos sentimentos. Temos de chegar a um ponto tal, que o tipo humano por nós requerido – seja reconhecido inconfundivelmente, diferenciado, e que dele se possa dizer: «Eis alguém que age como um homem do Movimento.”
Este mesmo lema – que foi o das forças que sonharam uma nova ordem para a Europa, mas que a sua realização foi muitas vezes entravada e desviada por múltiplos factores – precisa de ser retomado hoje. E hoje, no fundo, as condições são melhores, porque não existem equívocos e basta olhar à volta, desde a praça pública até ao Parlamento, para as vocações serem postas à prova e obter-se, claramente, a medida do que nós não devemos ser. Em face dum mundo apodrecido, cujo principio é “Procede como vires proceder” ou “Quem te obriga a fazer isso?” ou também “Primeiro o estômago, a pele, e depois a moral” ou ainda “Não estamos em tempo de uma pessoa dar-se ao luxo de ter carácter” ou, finalmente, “Tenho uma família a sustentar”, opomos nós esta norma de conduta, firme e clara: “Nós não podemos agir de outra maneira, este é o nosso caminho, esta é a nossa forma de ser.” Tudo quanto de positivo se puder obter hoje ou amanhã nunca se obterá mediante a habilidade dos agitadores e dos politiqueiros, mas sim através do natural prestígio e do reconhecimento ou verificação de homens, quer já maduros, quer, ainda mais, das gerações novas, desde que eles sejam capazes de tais coisas e desde que, nisso, apresentem uma garantia para a ideia.
Trata-se, pois, de uma nova substância que tem de surgir (em substituição da apodrecida e desviada, criada no clima de traição e da derrota), num avanço lento para além dos quadros, dos graus e das posições sociais do passado. Trata-se de uma figura nova que devemos ter perante os olhos, para poder medir a nossa própria força e a nossa própria vocação. Esta figura – é importante, fundamental, reconhecê-lo – nada tem a ver com as classes enquanto categorias económicas, nem com os antagonismos que lhe são relativos. Ela tanto se poderá manifestar no papel do rico como no do pobre, do operário como do aristocrata, do empreendedor, como do investigador, do técnico, do teólogo, do agricultor, do homem político no sentido estrito do termo. Mas esta nova substância terá uma diferenciação interior, a qual será perfeita quando, outra vez, não houver dúvidas acerca das vocações e das funções que temos de seguir e do sentido do mando, quando o restaurado símbolo da autoridade indiscutível reinar no centro das novas estruturas hierárquicas.
Isto assinala-nos uma direcção tanto anti-burguesa como anti-proletária, uma direcção totalmente limpa de contaminação democrática e das mentiras “sociais” e, por conseguinte, conduzindo a um mundo claro, viril, articulado, feito de homens e de condutores de homens. Desprezo pelo mito burguês da “segurança”, da mesquinha vida estandardizada, conformista, domesticada, rotineira e “moralizada”. Desprezo pelo vínculo anódino, próprio de todo o sistema colectivista e mecanicista, e por todas as ideologias que conferem aos confusos valores “sociais” a primazia sobre os valores heróicos e espirituais, por meio dos quais se deve definir, para nós, em todos os domínios, o tipo de homem verdadeiro, da pessoa absoluta. Algo de essencial será conseguido quando se despertar, novamente, o amor por um estilo de impessoalidade activa, no qual o que conta é a obra e não o individuo, pelo qual nos tornemos capazes de considerar que o importante não somos nós mesmos, mas pelo contrário, a função, a responsabilidade, a tarefa assumida, a finalidade procurada.

Julius Evola
(extracto da obra “Orientamenti”

Nota:
Quando Evola fala em espírito legionário, usa-o numa acepção realmente espiritual e referida à Roma ideal e exemplar que o autor propugnava. É o sentido imperial e, ao mesmo tempo, de dedicação, sacrifício, domínio de si mesmo, combatividade e fidelidade. E que tanto se pode encontrar em antigas legiões romanas, como na moderna Legião de S. Miguel Arcanjo romena, como nos indivíduos cercados pelo mundo contemporâneo.

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