quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Contributo para a caracterização de um pensamento político de direita no início do século XXI

Num mundo que após terem colapsado os regimes comunistas europeus do dito bloco Soviético, passou a estar dominado por um modelo capitalista, temperado aqui e ali com alguns laivos de intervencionismo estatal social-democrata ou socialista, na esfera económica, pela democracia representativa na organização política e por uma totalitária dominância filosófica e ideológica da esquerda no campo cultural, pretende-se nas linhas que seguem sintetizar em moldes actuais, como que em jeito de “balanço da situação”, os pontos doutrinais susceptíveis de continuarem a caracterizar um modelo de pensamento, um ideário e uma mundividência “de direita”, que se contraponha ao asfixiante unanimismo do “pensamento único” instalado na comunicação social, nos meios artísticos, nas escolas e nos centros do poder.
1. A recusa da actual democracia parlamentar e a opção por formas orgânicas de representatividade política.
Na perspectiva da sociologia empírica de Gaetano Mosca, Vilfredo Paretto e Robert Michels provou-se que as elites políticas não são nunca o produto da vontade das massas mas que as minorias se seleccionam a si próprias, por auto-afirmação e concorrência. E, por isso, os dirigentes dos partidos políticos não são fiéis mandatários livremente escolhidos pelo povo mas oligarquias, tanto mais fechadas sobre si mesmas quanto mais organizado for o partido. Em resumo, o parlamentarismo pluripartidário, que é a forma mais evoluída de democracia inorgânica, não é, nem remotamente, a suposta expressão da vontade geral.
Gonzalo Fernandez de la Mora
No actual estado de desenvolvimento civilizacional resulta indefensável qualquer regime dirigista, que assente em legitimidade de tipo dinástico, ou na força das armas. A população, nos países ocidentais desenvolvidos pelo menos, está suficientemente informada para reivindicar o direito de ter algo a dizer quanto à escolha daqueles que vão conduzir os seus destinos colectivos. Mas assente este pressuposto há que recusar o parlamentarismo herdado dos séculos dezoito e dezanove, por dissociado das realidades actuais. As interessantes propostas do corporativismo doutrinário nunca foram realmente testadas na prática porque os regimes que as consagravam na letra das suas constituições políticas ou não tiveram a coragem de levar até ao fim os princípios que diziam defender ou foram militarmente derrotados depois de se terem deixado arrastar para formas ditatoriais autoritárias, tudo sacrificando ao culto de um chefe supostamente clarividente como se a humanidade ainda estivesse no tempo de Alexandre Magno, Trajano ou Tsin Shi Huang-Ti…
Resulta daqui que se deve propugnar um novo modelo de selecção dos governantes que confira aos cidadãos um efectivo controlo sobre os desempenhos de quem os representa, e possibilite a todas as correntes de opinião, desde que não contrárias aos interesses nacionais, a possibilidade de intervirem politicamente de forma consequente, pondo-se cobro ao monopólio das actuais oligarquias partidárias que se substituem no poder. Os círculos políticos uninominais, em que os cidadãos de cada circunscrição possam escolher entre pessoas concretas, a quem responsabilizarão na próxima eleição se não cumprir as promessas eleitorais, temperados com um círculo nacional residual que possibilite às pequenas forças políticas aceder também aos areópagos do poder, a proibição dos políticos eleitos acumularem as suas funções com qualquer outra actividade profissional lucrativa, a impossibilidade de reeleição para qualquer cargo político, incluindo as autarquias locais após três mandatos, a liberdade de voto no parlamento sem fidelidade partidária, são sugestões para uma imediata moralização da vida pública. A prazo será defensável um estudo aturado no sentido de actualizar a ideia corporativa adaptando-a ao mundo de hoje e à globalização económica. Tarefa, reconheça-se, eivada de numerosos escolhos. Mas tudo muda e talvez o futuro recupere a necessidade de se recorrer a esses conceitos que verdadeiramente nunca foram testados.
2. Uma concepção pessimista sobre a natureza humana, por contraposição ao optimismo ontológico da esquerda.
A razão da necessidade da existência dos governos é que somente as leis são capazes de conter as paixões dos homens. É com a ajuda das leis que o governo pode preservar a sociedade; essas leis não são substitutos da virtude, não podem sequer inculcar a virtude no coração dos cidadãos; o seu papel é suprimir o vício: a lei é, em geral, formulada numa linguagem negativa.
Louis de Bonald
O ser humano é uma natureza decaída desde o pecado original. É capaz de se superar e de fazer o bem, mas luta permanentemente contra a tentação da facilidade, do ócio, e dos apelos hedonistas. As instituições sociais, a sabedoria imemorial dos usos e costumes, as leis, os princípios de comportamento, embora careçam de ser aperfeiçoados e temperados com o evoluir dos tempos, não são maléficas construções dogmáticas para coarctar a liberdade de seres supostamente “bons por natureza” como pretende o optimismo esquerdista, mas sim condicionantes necessárias para que o homem concreto, feito do “barro e da costela de Adão”, controle os seus instintos nocivos e se eduque no sentido da vida em comunidade e do aperfeiçoamento moral e civilizacional, legando aos seus descendentes um mundo melhor do que aquele que encontrou à nascença.
3. Uma perspectiva estóica de moderação em relação aos bens materiais, em detrimento do culto do progresso galopante e do consumismo frenético.
Houve tempos em que os povos do Ocidente, talvez por mais chegados à intimidade da terra e ao saber que dela se colhe, consideraram outras utopias tão aliciantes como estas simples visões do espírito. Hoje, porém, o artificialismo em que se vive afastou a inteligência para tão longe da realidade que se acredita sem custo no absurdo de um progresso infinito num mundo finito; se aceita, ou se esquece, a contradição que representa aspirar e lutar pelos altos níveis de consumo das chamadas sociedades desenvolvidas, quando elas assentam num crescente aumento da ignorância e da fome para dois terços da humanidade.
Que importa que se saiba, cientificamente, que a extensão destes níveis de consumo a toda a humanidade esgotaria, em menos de vinte anos, as matérias-primas existentes na Terra, para só falar destas? Não importa que se saiba porque o materialismo insensibilizou a consciência dos homens do nosso tempo a tal ponto que cada um pensa apenas em si e que depois de si pode vir o dilúvio.
Fernando Pacheco de Amorim
O progresso não consiste num acumular maníaco de riqueza susceptível de esgotar os recursos naturais do planeta e tornar a vida impossível para os nossos descendentes. A cultura do desperdício e do supérfluo, característica do “american way of life” deve ser substituída por uma orientação que condicione a actividade económica no sentido de favorecer as actividades que gerem emprego em lugar de substituir pessoas por máquinas, lançando-as no desemprego e na marginalidade, que negue a possibilidade de se estragarem bens quando dois terços da humanidade vive em situação de carência, que vede o multiplicar das actividades especulativas e impeça as economias de casino, e que substitua pela filosofia da contenção e de uma nova espiritualidade sob pena de, em não mais de duas gerações, graves convulsões sociais e crises ecológicas (hoje já bem latentes) fazerem entrar em colapso os níveis de vida actualmente conseguidos pelo Ocidente.
4. A cultura e a arte como sublimações do real, versus a cultura e a arte como distorções do real.
Leitura desagradável. Imprimem-se (…) nos nossos dias livros onde as palavras obscenas são reproduzidas com todas as letras – quero referir-me àquelas palavras que outrora se não viam senão nas paredes dos urinóis, nas gares mal iluminadas. (…) Em Sade o acto de violência segue-se imediatamente à palavra obscena. É ela que dá o sinal: violado o primeiro tabu, todos os outros desaparecem. (…) Vem primeiro a degradação pela palavra, depois pelo acto. Mal a liberalização chega às últimas barreiras abre a porta aos assassinos. É uma lei geral.
E, enfim, de um ponto de vista formal que queda na chateza, que falta de imaginação; que cegueira, diante desta dança à beira do abismo, que é o direito hereditário do artista e da sua liberdade! Ele triunfa, alado, na graça imponderável do verbo – lá é que reside o seu risco e o seu poder redentor.
Ernst Jünger
A direita defende um conceito e uma ideia de cultura e de arte elevados, que respeitem a dignidade humana na convicção de que um poder superior a conferiu, e cultivem os valores da beleza, do sublime e da harmonia.
A esquerda propende para uma cultura niilista, que assenta numa caleidoscópica pesquisa do bizarro, na experimentação de novas sensações, na fragmentação do real, e na provocação e subversão agressivas dos valores tradicionais.
5. Busca de uma Ordem.
A ordem é o efeito da vida e não a causa dela. A ordem é sinal de uma cidade forte e não a origem da sua força. A vida e o fervor e a “tendência para” é que criam a ordem. Mas a ordem nem cria vida, nem fervor, nem “tendência para”. Por muito elevada que seja a tua imagem do homem, por muito nobre que seja o teu fim, fica sabendo que ele se tornará vil e estúpido se o enunciares através do guarda. Não é da competência do guarda transmitir uma civilização mas proibir actos sem compreender porquê.
Antoine de Saint-Exupéry
A direita cultiva a necessidade de uma ordem comunitária que estruture a vida das sociedades, que assente em valores transmissíveis de pais para filhos, seja temperada pelo teste do fluir do tempo, e que assegure a cada um a possibilidade de determinar as suas próprias expectativas com base em regras perenes, que se imponham a todos.
Em contraponto, as mundividências libertárias de esquerda, assentes na consagração radical da liberdade sem peias e sem regras, depois de períodos convulsivos de anarquia e abandalhamento geraram historicamente intervenções totalitárias e um estatismo aniquilador das liberdades individuais concretas.
6.O direitista como homem típico das situações de excepção e a multiplicação particularista das organizações de direita.
Mesmo uma multidão se torna fraca quando isolada pois o isolamento trás consigo a desmobilização, o desamparo e, neste mundo de comunicação de massas, a desvantagem decisiva da ausência de coordenação. Não possuindo esse alto comando de que a revolução dispõe graças ao monopólio dos media, os contra-revolucionários não estão atentos, ou pelo menos não o estão simultaneamente, aos perigos que os ameaçam.
O factor tempo escapa-lhes de tal maneira que, enquanto os mais atentos já vêem o perigo, os outros ainda descansam nas formas mais variadas de confortável indiferença.
Ao invés dos revolucionários, permanentemente em pé de guerra, os contra-revolucionários acham-se divididos em grande número de grupos que, embora partilhando as mesmas ideias, não partilham a mesma consciência da ameaça que paira sobre eles. O que alguns julgam essencial, a ser preservado por todos os meios, outros consideram-no não essencial, enquanto um terceiro e quarto grupos seguem ainda linhas diferentes. O resultado é uma posição geral de derrotismo. A mobilização geral revolucionária significa todos os revolucionários reagirem da mesma maneira ao perigo, acenderem-se os sinais de alarme no centro quando na periferia algo de anormal sucede.
Entre os contra-revolucionários não há sequer sistema de alarme: como não existe qualquer rede, o sinal não é transmitido da periferia para o gabinete central de operações o qual, de resto, não existe.
Thomas Molnar
Os direitistas têm tendência para a dispersão individualista, para a multiplicidade de doutrinas e para a desorganização grupal em épocas de normalidade, talvez por se dedicarem essencialmente à família e às actividades próprias da sociedade civil e por reconhecerem aos seus correligionários o direito de seguirem vias doutrinárias diversas e heterodoxas. Apenas em momentos de excepção, de grandes perigos ou conflitos, o direitista costuma aparecer em posições políticas de destaque.
Em contrapartida a esquerda tem uma propensão conatural para a conspiração permanente, para a concertação de actuações mesmo em tempos de paz e acalmia, para o pensamento único e para a defesa unanimista do que previamente definiu como politicamente correcto.
7. A desigualdade e a individualidade das pessoas.
Do homem como mero conjunto de reflexos condicionados, uma máquina, passa-se lentamente para o conceito do homem como um organismo aberto ao meio e às suas influências, mas com códigos de comportamento e capacidades programadas de antemão pela herança genética e transmissível. Da igualdade para a desigualdade do género humano.
Irenäus Eibl-Eibesfeldt
A direita reconhece a desigualdade natural dos indivíduos como dado assente a partir do qual se devem criar condições para que cada um possa desenvolver as suas concretas capacidades pessoais e para que aos menos aptos o Estado, pela via da redistribuição da riqueza, assegure a satisfação das necessidades básicas compatíveis com a dignidade humana.
A esquerda defende uma igualdade abstracta de todas as pessoas, homogeneizando-as, com base em pressupostos científicos oitocentistas que as modernas descobertas da etologia e da física quântica ultrapassaram.
8. Estatuição da responsabilidade individual das pessoas pelos seus actos.
(…) Existe uma fronteira entre o bem e o mal e cada um é responsável por escolher o lado da fronteira em que se coloca. Neste código de valores, a primeira pergunta da civilização da liberdade a um indivíduo não é: como se explica que ele tenha feito isto? A pergunta é: como explicas tu que tu próprio tenhas feito isto?
João Carlos Espada
Para um pensamento de direita os actos individuais, as acções e omissões de cada um devem-lhe ser imputados, extraindo-se depois as consequências. Isto é válido tanto para os julgamentos criminais como para as actuações desportivas, artísticas ou culturais, como ainda para o desempenho de cargos políticos, administrativos ou económicos.
Ao contrário, a esquerda dilui a responsabilidade individual numa plêiade de explicações sociológicas e económicas que tendem a demonstrar que a estruturação da sociedade é que causa deterministicamente tais actos.
José António Carvalho

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