domingo, 19 de outubro de 2008

Aproximação Portugal-Galiza

Perigos e Incertezas
(Uma pequena nota)


Desde há uns tempos a esta parte que aqui em Portugal, principalmente na sua Região Norte, vem germinando a ideia peregrina e muito perigosa de uma acentuada e descontrolada ligação à Galiza.
Esclarecemos aqui que tal se centra na procura de uma junção não apenas situada numa ordem de natureza étnico-cultural que, entre o Norte de Portugal e a Galiza existem de facto e lhes são realmente comuns e, diga-se, até muito desejáveis, mas, sobretudo em vertentes políticas e económicas com uma região (Galiza) que politicamente (apesar de uma certa autonomia administrativa) está sob apertado controlo do centralismo castelhano sedeado em Madrid. E é precisamente neste último aspecto onde moram todos os perigos e espreitam todas as incertezas.
Achamos ser conveniente advertir os leitores deste Boletim que este pequeno estudo e análise não visa qualquer tipo de obstáculo a uma cada vez mais alargada e desejável aproximação cultural entre Portugal e a nossa irmã Galiza. Aliás os castelhanistas não vêem com confiança e agrado uma aproximação verdadeiramente cultural entre os povos galego e português. Porque será? O governo de Madrid vê antes com bons olhos uma aproximação exclusivamente situada nos domínios do político e económico. Porque será?
Por isso é preciso que se diga que nada nos impele contra todos aqueles, portugueses e galegos, que de forma entusiástica lutam por uma cada vez mais acentuada acção no estreitar de laços de amizade entre os dois povos irmãos. Até apoiamos muito vivamente todas as iniciativas conducentes a tal, desde que tais empenhos signifiquem de forma objectiva uma deliberada prática cuja meta política final conduza a uma almejada unidade política entre Portugal e a Galiza que, naturalmente, contradiga e elimine a actual existente, ou seja, a que vigora entre a Galiza e Castela, Nação directora daquilo que se convencionou designar por Espanha. Com esta nossa posição pensamos afastar qualquer tipo de equívocos que possam surgir.
Este documento procura apenas alertar os portugueses para quaisquer actos imprudentes (de atrevida ignorância) e de ingenuidade política com que tantos de nós persistem em ter em termos geopolíticos e estratégicos. A realidade (política) castelhano-visigótica existe mesmo e está muitíssimo mais atenta do que às vezes se julga. Diz o nosso povo (vox populi, vox Dei) que precauções e caldinhos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.
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Quem de forma – que tem tanto de ingénua como de atrevida ignorância – tem objectivamente propugnado com o maior dos entusiasmos para viabilizar um grande projecto para uma região transfronteiriça do designado em certos meios como «Noroeste Peninsular», demonstra, assim, desconhecer quase em absoluto os mais importantes vectores geoestratégicos que levaram à formação do Condado Portucalense, movimento político, militar e religioso que levaria mais tarde à constituição de Portugal como o primeiro Estado-Nação arrebatado aos Mouros na Península Ibérica. A uma Nação cujas fronteiras são as mais estáveis e antigas da Europa.
Todavia, e apesar deste indesmentível facto histórico, existem grupos de entidades e de personalidades no Norte de Portugal que parecem querer esquecer essa verdadeira lição de geopolítica, de geoestratégia e igualmente de geohistória que os homens do antigo Condado Portucalense nos deram a todos nós com vista a dessa forma quase perfeita e admirável conseguirem a permanência e a independência de Portugal como país livre.
É importante referir que na conquista e num plano geral de consolidação do Reino de Portugal, dois pontos do Condado Portucalense viriam a ter e a desenvolverem um papel e função de vital e extraordinária importância. Foram Braga e o Porto. A diocese de Braga, isso ao separar-se de Santiago de Compostela (Galiza), tornando-se, de imediato, numa importante sede de poder religioso indispensável para o futuro Condado Portucalense, autêntico motor da formação de Portugal.
A tomada definitiva do Porto (Presúria) aos Mouros, levada a cabo por Vímara Peres, representou a consolidação do Porto como grande baluarte cristão e como um fortíssimo centro da burguesia comercial da época, que mais tarde, apoiada por Cruzados do Norte da Europa (em trânsito para a Terra Santa), estaria em condições para dar excepcional e crucial impulso para a conquista e derrota dos Mouros em três rios e estuários do sul, ou sejam, do Tejo, do Sado e do ainda mais a sul, Guadiana. Provando de forma cabal a muito deliberada intenção geoestratégica em prolongar o Condado Portucalense em toda a faixa marítima atlântica de Norte para Sul (1), dando, dessa forma, plena razão ao espanhol Unamuno, quando este muito acertadamente afirmou que «O QUE FAZIA PORTUGAL ERA O MAR». Condição essa que hoje tão desprezamos, tendo a nossa marinha mercante atingido, praticamente, o grau zero de existência. Longe estamos do tempo do célebre despacho 100 (almirante Américo Thomaz) que revigorou espectacularmente a dita.
Foi a muito poderosa burguesia portuense que ao apoiar activamente a causa de D. João I, Mestre de Avis (2), que levaria à realização da Revolução Nacional de 1383/1385, também conhecida pela Revolução do Porto, cuja expressão máxima de vitória foi a 14 de Agosto de 1385, com a Batalha de Aljubarrota. E Aljubarrota, muito ao contrário do que muitos possam meramente
pensar, não foi só uma brilhante vitória das armas nacionais, foi sobretudo um decisivo triunfo da burguesia comercial e marítima «tripeira» (vencedora e firmemente apostada numa futura e gloriosa opção atlântica de Portugal) sobre uma outra claramente iberista e perfilhada por alguns portugueses.
Por estas razões que aqui se apontam e que dentro de um antigo quadro nacional de existência continuam, apesar de tudo, actualíssimas e, particularmente, inextinguíveis, não aconselham a que se embarque prazenteira e tolamente no tal projecto de uma região transfronteiriça do designado «Noroeste Peninsular», para mais com um centro de gravidade económica e política na cidade de Vigo, esta com sérias aspirações em centralizar e coordenar lá todo o tráfego de portos espanhóis e portugueses, levando a que Portugal seja, pura e simplesmente, geoeconomicamente estrangulado. Prova-se assim que o imperialismo castelhano-visigótico é uma entidade real muito atenta e que se serve da Galiza como uma sua espécie de «Cavalo de Tróia». Mas não se julgue que a «manobra» castelhana se empenha e focaliza apenas na organização de uma zona transfronteiriça do «Noroeste Peninsular», visto os castelhanos quererem ir muito mais longe, estando igualmente particularmente interessados no chamado «Sudoeste Ibérico», com especial fulcro na cidade andaluza de Huelva, e que visa criar outra região transfronteiriça envolvendo estrategicamente todo o nosso Algarve.
Não foi por acaso que só apenas no reinado de Isabel, a Católica, é que Castela reconheceu a conquista do Algarve por Portugal (depois de terem passado alguns séculos dessa conquista, note-se). Agora, a sempre matreira Castela, pretende «separar» essa região portuguesa do todo nacional, tal para «quebrar» a continuidade e a nossa frente marítima do Minho ao Algarve. O seu plano é, de facto, capcioso. Lamentavelmente existem portugueses, com altas responsabilidades, para mais políticas, que não notam certas posturas castelhanas, as desvalorizam e atacam antes portugueses esclarecidos que chamam a atenção e alertam contra essa problemática.
Mais do que sustentar tolas ilusões de franca amizade política com a sempre perigosa e manhosa Galiza, em andar com ela de braço dado e metidos em «estórias», planos e projectos transfronteiriços e que tão caros nos poderão vir a custar em termos de segurança e da nossa liberdade e independência nacional, importa, isso sim, reforçar todas as potencialidades existentes no Norte de Portugal, mormente a da sua área metropolitana do Porto e grande Porto, como dínamo de toda a Região Norte (3). Tudo isso sem esquecer os especiais cuidados a ter com os portos do Douro e Leixões (4), bem como a urgente estabilização e regularização da barra do Douro acima (rio-mãe de Portugal), e onde, curiosamente, navegou pela primeira vez a mítica Caravela Portuguesa.
Não é por acaso que Castela vê com muitos maus olhos a existência de um incremento de navegação de cabotagem, de instalação de portos fluvio-marítimos no Douro, não se mostrando nada interessada no seu aproveitamento e desenvolvimento. A plena operacionalidade de Leixões e da navegabilidade do rio Douro, serão factores fundamentais para o Minho e Trás-os-Montes se manterem economicamente interessados mais em Portugal do que na Galiza. Acresce que o rio Douro pode e deve representar uma boa alternativa (até porque mais barata) aos camiões TIR (5) que terão fatalmente sempre que atravessar a Espanha, isso com as mais variadas consequências e gravosas inconveniências para Portugal.

António José dos Santos Silva
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Notas:
(1) Neste aspecto, já Pinharanda Gomes, in Cinco Chaves da Cultura Portuguesa, Revista Política, números 5-6, de 31 de Agosto de 1972, pág. 19, disse: «…A Viagem – Portugal nasceu de um modesto condado, encravado a ocidente de Espanha, delimitado a norte e a oriente pelo reino de Leão e, a sul, pelos principados árabes. Altamente diferenciado, do ponto de vista cultural e linguístico dos restantes principados ibéricos, a situação política do condado portucalense era o de uma insularidade, de um isolamento. Todas as situações permitem três escolhas e o condado portucalense tinha as três opções à escolha: ou permanecer no seu isolamento; ou integrar-se nos demais principados ibéricos; ou forçar as suas limitações, e garantir uma autonomia que, pelo apoio territorial, fosse menos precária do que era.
O mar, o Atlântico é o convite, a ordem de partir. Mas, na ciência da época, o mar não levava a parte alguma. Os primeiros portugueses haviam fome de expansão e de descobrimento. A viagem começou, não por mar, mas por terra. A aristocracia portucalense estava decidida, não a discutir a autonomia dos principados ibéricos seus vizinhos, mas a delimitar uma faixa costeira, que alongasse a costa marítima do condado…»
(2) Podemos dizer que a dinastia de Avis foi, na verdade, o primeiro Estado Novo português. Com ele, a Idade Média, terminou em Portugal.
(3) É percepção do domínio geral e da chamada opinião pública que a Região Norte de Portugal, que outrora nos habituamos a considerar o motor económico de Portugal, tem vindo a perder tal liderança. Por esse facto as gentes nortenhas têm legítimos motivos para ficarem deveras apreensivas em relação ao futuro…
Se entendemos (e bem) a região nortenha como um espaço geográfico com características específicas (o espaço nacional não é homogéneo, como se sabe), devemos também compreender que a Região Norte representa uma área vital para que Portugal cresça no interior de si próprio, alargando, assim, a fronteira do seu crescimento interno como também internacional.
Se é verdade que Portugal, num mundo que já poderemos considerar de era global, tem que saber conquistar competitividade na Europa e no mundo, tem, igualmente, que definitivamente entender que isso tudo terá que passar pela capacidade da região que vimos a falar diversificar actividades cujo dinamismo a levem a adquirir (novamente) poder e natural protagonismo, sobretudo nos tempos que hoje correm, em termos de matéria tecnológica e cientifica (políticas horizontais que privilegiem a qualidade e a inovação), sem olvidar o seu desenvolvimento em escala abrangente.
Faz-se aqui especialmente notar que não se trata da procura e estabelecimento de uma doutrina meramente regionalista. Nem, tão pouco, como muitos possam pensar, se trata de fazer justiça à Região Norte. Trata-se, tão-só, do estabelecimento de uma política nacional (edificadora de novos factores de riqueza) que nunca será alcançada caso, por inépcia, não consigamos potenciar o extraordinário senhorio de iniciativa que superiormente caracteriza a região nortenha de Portugal. É que caso isso se verifique, Portugal, no seu todo nacional, irá pagar os mais elevados juros, isso com as repercussões que daí advirão para o nosso tecido económico e social, já hoje tão fragilizado.
(4) Sem esquecer a plena operacionalidade do aeroporto internacional Francisco Sá Carneiro e o comboio (TGV) Porto-Vigo.
(5) Nem de propósito. Chamamos aqui a atenção para o facto das recentes paralisações e bloqueios dos camionistas, não apenas portugueses, mas igualmente espanhóis e franceses, que pela sua postura reivindicativa (não importa se justa ou injusta), paralisaram quase praticamente o nosso país, constituindo o seu gesto não apenas uma acção de que resultou gravíssimos prejuízos para toda a economia nacional como, também, representou um sério constrangimento à liberdade dos portugueses e colocou em causa a própria segurança nacional. Toda esta questão que aqui apontamos não foi ainda convenientemente resolvida, pelo que ameaça poder repetir-se. Por tal, esta situação merece ser profundamente meditada por todos nós.

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